A guerra contra paridade de gênero nas cortes é obscena

25/09/23
Folha de São Paulo, por Thiago Amparo
Espanta que tribunais de justiça desconheçam elementos básicos sobre discriminação

“No estado de São Paulo, nas promoções, seja no critério da antiguidade ou no do merecimento, não há e nunca houve discriminação de gênero. É dizer, em ambos os critérios, promove-se o mais antigo, seja homem, seja mulher.” Este é trecho do ofício do TJ-SP ao Conselho Nacional de Justiça. Os dados do tribunal mostram o contrário. No TJ-SP, há menos de 10% de desembargadoras: há mais desembargadores chamados Luiz ou Luís do que mulheres, segundo dados de 2022 da Anafe. Isso sem falar de raça. Apenas 1,7% de juízes/as são pretos no país, de acordo com levantamento de 2023 do CNJ.

Espanta que tribunais de justiça desconheçam elementos básicos sobre discriminação. De um lado, há o conceito de dependência da trajetória (“path dependence”): um sistema que privilegia a antiguidade é inercial, reproduzirá as desigualdades de gênero anteriormente estabelecidas na instituição. Sem combate ao assédio, sem listas tríplices apenas com mulheres, sem políticas afirmativas, sem letramento de gênero, o que sobra são cortes masculinas em um país plural, mas governado por um Supremo com, se tivermos sorte, duas mulheres.

Outro ponto: limitam o conceito de discriminação a apenas instâncias onde explicitamente o critério “ser homem” seja usado (discriminação direta). Ignoram, portanto, outras instâncias em que a ausência de ações afirmativas leva a um estado inconstitucional de discriminação (mesmo que indireta por regras supostamente neutras, como a antiguidade).

Na última terça-feira (19), o conselheiro do TJ-SP no CNJ pediu vista, adiando a decisão sobre a proposta de alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário para o dia 26.

Não façam como ele; façam como um outro Luiz (o Vieira de Mello), um dos votos pró-paridade até o momento no CNJ. A situação de desigualdade de gênero e raça no Judiciário é vergonhosa, mas é mais obscena ainda a resistência de parte da magistratura a aproximar a instituição oitocentista do século 21.

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