História reescrita

OAB Nacional quer instituir Comissão da Verdade da Escravidão Negra, nos moldes da que hoje apura os crimes da ditadura

Por: Flávia Oliveira

Foto: Marta Azevedo

É mal contada a história do povo negro no Brasil. Décadas a fio, africanos e descendentes, tanto nos livros quanto no imaginário popular, foram escravos também de narrativas que os associavam à ignorância, à passividade e à submissão resignada aos senhores do período colonial. Revoltas, insurreições e até a resistência quilombola, por longo tempo, estiveram longe dos registros formais. Um tanto desse passivo tem chance de diminuir no curto prazo. Amanhã, em Brasília, o conselho da OAB Nacional vota a criação da Comissão da Verdade da Escravidão Negra, inspirada no colegiado que, desde 2012, investiga crimes cometidos pela ditadura militar.

 

Se aprovada, a iniciativa vai descortinar outro período igualmente sombrio e camuflado pela dificuldade do Brasil em relatar com honestidade seus caminhos. Anistiadas, partes essenciais da história foram deixadas pelo caminho, em nome da velha cordialidade nacional. Foi o que Abdias Nascimento, maior líder negro do país na segunda metade do século XX, ousou chamar de mentira cívica. O ex-senador, que neste 2014 completaria cem anos, morreu sem testemunhar a reconstituição que ora se avizinha. Em discurso histórico ao receber o título de doutor honoris causa da Universidade Federal da Bahia, ainda no ano 2000, Abdias exortava a comunidade acadêmica a se libertar do que batizou de cativeiro eurocentrista.

Quatorze anos depois, a semente da Comissão da Verdade da Escravidão germinou durante a última Conferência Nacional dos Advogados, mês passado, no Rio. Presidente da OAB Nacional, Marcos Vinicius Furtado é defensor entusiasmado da proposta. “O inventário da escravidão será mais um ajuste de contas do país com sua História, resume. Na sequência, virão os indígenas, avisa. Uma vez implementada a comissão da Ordem, a intenção é apresentar o projeto ao governo federal. A investigação sobre o regime escravocrata sucederia, já em 2015, a Comissão Nacional da Verdade (da ditadura), que chega ao fim este ano.

Os trabalhos vão se ancorar em três pilares, segundo Furtado. O primeiro é o resgate histórico; o segundo, a aferição de responsabilidade. O último será a demonstração da importância das ações afirmativas como meio de compensação de danos à população negra. A OAB atuou na defesa jurídica da política de cotas no acesso à universidade, considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, por dez votos a zero, em 2012, e vigente em quase 60 instituições públicas de ensino superior.

Humberto Adami, presidente do Instituto da Advocacia Racial e Ambiental, defende a reparação financeira dos crimes da escravidão, tal como nas indenizações às vítimas da ditadura. De 2001 ao ano passado, a Comissão de Anistia aprovou 40.300 pedidos, no valor total de R$ 3,4 bilhões. No caso dos negros, a compensação se daria, por exemplo, pela criação de fundos para financiar projetos de história, cultura e inclusão social em cidades marcadas pelo escravismo.

Fica aqui a sugestão para que, se instituído, o futuro fundo de reparação tenha um quinhão dedicado à preservação das religiões de matriz africana, que padecem, Brasil afora, sob a chaga da intolerância. Candomblé e umbanda são herança da presença da África na formação nacional. E, até hoje, símbolos de resistência.

Fonte: O Globo 

+ sobre o tema

Em Angola, cúpula com líderes africanos marca Dia da África

Luanda, 25 mai (Lusa) - Angola comemora nesta segunda-feira...

Jay-Z vai convidar Obama para participar de festival de música

O rapper Jay-Z será um dos organizadores do festival...

Aos 129 anos de abolição, ainda buscamos a eliminação do racismo

Aos 129 anos de abolição, ainda buscamos a eliminação...

Hip hop é a dança mais eficaz para a saúde física dos jovens

Enquanto a maioria dos pais acredita que matricular a filha em...

para lembrar

spot_imgspot_img

Festival Feira Preta tem shows de Luedji Luna, Tasha & Tracie e Marcelo D2 a partir de sexta no Parque Ibirapuera, em SP

Mais uma edição do Festival Feira Preta, um dos maiores eventos de cultura negra da América Latina, vai ser realizado a partir desta sexta-feira...

50 anos de Sabotage: Projeto celebra rapper ‘a frente do tempo e fora da curva’

Um dos maiores nomes no hip hop nacional, Sabotage — como era conhecido Mauro Mateus dos Santos — completaria 50 anos no ano passado. Coincidentemente no mesmo ano...

Iza faz primeiro show grávida e se emociona: “Eu estou muito feliz”

Iza se apresentou pela primeira vez grávida na noite do sábado (27), em um show realizado no Sesc + Pop, em Brasília, no Distrito Federal. Destacando...
-+=