Costumes e gastronomia dos “Dias grandes” no sertão

No sertão, a Semana Santa era chamada de “Dias Grandes”. Não sei por quê. Intuo que eram tantas as proibições que os dias eram entediantes e longos.

Por Fátima Oliveira, do O Tempo 

Jejuavam adultos e crianças a partir de 7 anos, que, se “quebrassem o jejum”, era certeza de “romper a Aleluia na taca!” Criança não apanhava nos “Dias Grandes”, mas, se fizesse malfeitorias, recebia o “corretivo” no amanhecer do Sábado de Aleluia.

Falava-se baixo, em respeito ao calvário de Jesus. Fazer “ar de riso” era passável, mas repreendido. Gargalhar? Desrespeitoso. Era preciso sentir o sofrimento e a morte de Jesus! Brincadeiras de roda, nem pensar! As moças não podiam sequer usar batom, imagine namorar!

Casados, se fizessem sexo, virariam bestas-feras! O cabaré do Derivaldo fechava! Bebidas alcoólicas, só vinho. Um conhecido enchia um garrafão de vinho com cachaça e colocava “Ki-Suco” de morango! E a mulher dele dizia: “Vinho pega mais do que cachaça!”

Ligar o rádio, só na hora do Angelus e para ouvir missa. Só saíamos para rezas e terços na vizinhança ou na igreja. Não havia padre em Graça Aranha – acho que até hoje não há! Ficávamos enclausurados – para controle do respeito ao jejum e para “não se sujar”. Banhos eram pecados. Após o Domingo de Ramos, banho só na Aleluia – só podia escovar os dentes, lavar o rosto e se “assear” – lavar os pés antes de dormir e as partes íntimas: banho de assento para as meninas.

Eram dias de completo descanso. De trabalhos domésticos, só fazer comida e lavar as louças. Nem lavar roupa podia! A casa era varrida e arrumada no Domingo de Ramos. Depois, só na Aleluia! As quitandas (bolos e roscas) e os doces para os Dias Grandes eram feitos até Domingo de Ramos, cujo almoço era carne, mas da segunda até a Sexta-Feira Santa, qualquer carne era proibida! Após tantas mortificações, as crianças se esbaldavam atrás dos judas no Sábado de Aleluia, e os adultos nos bailes da Aleluia.

A gastronomia religiosa dos “Dias Grandes” e do “Dia do Nascimento” (Natal) do sertão eu preservo como patrimônio cultural familiar. É uma culinária com cheiro de infância!

“Até os 10 anos passei os Dias Grandes em minha casa, no sertão. As saudades são tamanhas que sinto o odor das comidas! Até os 14 anos, passei em Colinas (MA), onde assistia às duas missas diárias do Domingo de Ramos à Páscoa; e degustava suculentos peixes do Itapecuru e do Alpercatas, exceto na sexta-feira, quando o almoço era torta de bacalhau e o jantar era arroz de bacalhau, da marca Nem – cozinheira da Casa do Estudante” (“As comidas dos ‘Dias Grandes’ no sertão e queimação do Judas”, O TEMPO, 14.4.2009).

Sinto os cheiros do cardápio dos “Dias Grandes” da vó Maria. Comíamos peixe de açude: mandi e piaba fritos no azeite de coco de babaçu e curimatã recheada envolta em folha de bananeira e assada na telha. Em Graça Aranha, como dizia meu avô, “nem rio quis passar”! Peixes do litoral, só secos, feitos no leite de coco de babaçu ou arroz de peixe seco com toucinho. As tortas de sardinha e de bacalhau eram um luxo!

Jantávamos sobras do almoço e caldo de ovos, exceto na Sexta-feira Santa, que era arroz de bacalhau ou de peixe seco com toucinho, mas almoçávamos bacalhau com verduras, que foi transformado em “bacalhau à espanhola” na terceira geração da família – a vovó adorava e dizia que “a maior vantagem de ter mandado Fátima para a escola do padre Macedo é que ela virou a cozinheira mais aprovada da família”.

Eu ser médica era um mero detalhe para quem dizia que, “se Deus inventou comida melhor do que bacalhau, guardou só pra ele”.

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