Quando Lélia Gonzalez morreu, em 1994, há 30 anos, o movimento social negro sentiu um grande baque pela perda da intelectual e reconhecida militante que, já naquela altura de sua vida, se projetava como uma das vozes mais fortes no combate ao racismo e na organização feminina negra, sobretudo na projeção do debate sobre raça e classe no Brasil.
Nascida em Belo Horizonte, em 1935, penúltima filha de uma família de 18 irmãos, tendo um pai chefe ferroviário, fruto da Lei do Ventre Livre (promulgada em 1871) e de uma mãe capixaba, de origem indígena e analfabeta, Lélia veio ao mundo para cumprir o papel que a sociedade colonialista ainda e sempre destinava às pessoas pobres e pretas, como ela, oriundas do período da famigerada escravidão, que dominou por mais de 350 anos o nosso país.
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Ainda jovem passou pelo duro trabalho de babá (palavra em quimbundo que significa cuidadora de crianças), e a recusa de se reconhecer uma mulher negra, adotando o alisamento de cabelo crespo, e o uso de roupas mais sóbrias, fase agravada quando se casa com Luiz Carlos Gonzalez, de origem espanhola, de quem herda o sobrenome.
A tempestade perfeita dessa relação e o choque, somadas as diferenças sociais do casal, se aprofundam pela rejeição da família do marido, que provoca dor e revolta —levando ao trágico suicídio de Gonzalez um ano depois— fazendo Lélia ser confrontada diante de um mundo dividido entre negros e brancos, racista e violento.
Toda essa rica história, contada com o auxílio de fotos primorosas da trajetória da militante feminista negra brasileira, ao lado de ícones como Angela Davis e Abdias Nascimento, está agora no excelente perfil biográfico “Lélia Gonzalez, Um Retrato” (Zahar), livro escrito pela socióloga Sueli Carneiro, outra histórica militante engajada na luta política e social de emancipação feminina, sobretudo das mais vulneráveis, e contra o racismo.
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No livro, Carneiro destaca os termos “amefricanidade” e “pretuguês”, cunhados por Lélia Gonzalez no curso do seu discurso centrado na hegemonia de sua afirmação enquanto principal voz do ativismo negro, formulando e criando entidades combativas como MNU (Movimento Negro Unificado) e IPCN (Instituto de Pesquisa das Culturas Negras), essa situada no Rio de Janeiro.
Além de tudo, como ensaísta e professora, Gonzalez elabora agendas, projetos e ações com foco na população negra, atuando em pautas ainda hoje tão caras em prol do feminismo afro-latino-americano —o que a leva a tentar a vida parlamentar.
Ao traçar o perfil de Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, de certa forma, posiciona o século 20 no contexto das lutas por igualdades de direitos, ao longo de uma jornada que une “mulheres da diáspora africana na América Latina e no Brasil”.
Como mulher negra e antirracista, Gonzalez, como aponta Carneiro, ao citar Januário Garcia, “nos ajudou a entender melhor o racismo como uma ideologia de dominação social que fomenta políticas discriminatórias e racistas”.
Como podemos perceber, “Lélia Gonzalez, Um Retrato” é um projeto ousado, pautado na trajetória de uma mulher que dedicou a vida à luta negra.
Livro: Lélia Gonzalez: Um retrato
Autora: Sueli Carneiro
Editora: Zahar