A branquitude, a negritude e o jornalismo investigativo – narrativas controversa

FONTEPor MISAEL FRANÇA, enviado para o Portal Geledés
Pixabay

Recentemente, muitos casos envolvendo a prática de crime em tese por membros do Poder Judiciário, da Advocacia e do Ministério Público têm invadido as redes sociais e as manchetes dos telejornais. Uma característica comum às notícias chama a atenção: os/as investigados/as ou acusados/as são todos/as brancos/as e, invariavelmente, da (proto)elite hegemônica instalada no país desde há muito, destacada pela cútis, pelo cargo e pelo patronímico que ostenta.

Trata-se de mais uma evidência da racialização da sociedade brasileira, que reserva os melhores postos e condições de vida à mesma parcela de indivíduos. Evidencia, também, que o cometimento de delitos não é exclusivo da parcela mais vulnerável da sociedade, como desejado pela criminologia da reação social, mas um ato passível a qualquer ser humano, por sua própria essência.

Outro dado desperta curiosidade. As notícias de supostos crimes praticados por representantes da (pseudo)elite branca brasileira têm o cuidado de tratá-los como presumidamente inocentes, valendo-se de expressões como “suposto”, “teria praticado”, “em tese”, “o senhor”, “a senhora”, “o juiz”, “a desembargadora”, “a jurista”, “o doutor”, etc. Isto, talvez, esteja justificado no fato de que o/a “outsider” do sistema de (in)justiça penal tem acesso a assistência jurídica personalíssima, logo no embrião da persecução penal. Outra explicação, mais certa, está no fato de que estas notícias são trabalhadas, editadas e transmitidas, via de regra, por pessoas brancas que se preocupam em expressar uma identificação com o poder (no figurino, no vocabulário, no tom da fala, etc.). Isto resulta em uma premente empatia do/a profissional da imprensa com o/a suposto/a autor/a de crime, que destoa do padrão dos indivíduos perseguidos, diariamente, pelo Estado-Polícia.

Esta deveria ser a narrativa universal, a valer para toda e qualquer pessoa que se vê envolvida em um caso penal, porque o sistema criminal é/deve ser regido pelos princípios constitucionais de um Estado Democrático de Direito, com destaque para a presunção de inocência, o contraditório e a ampla defesa.

Lamentavelmente, não é o que se observa quando a notícia envolve a juventude pobre negra, constantemente associada à criminalidade e, por isso, alvo preferido da violência pública. Estes/estas jovens – independentemente de sua culpa, que só pode ser assentada após o devido processo legal – já aparecem condenados, rotulados/as de “criminosos”, “bandidos”, “comparsas”, “vagabundos”, “canalhas”, “traficantes”, sendo denominados/as pelo “vulgo”, submetidos/as a duplo interrogatório (um pela autoridade policial e outro pelo/a repórter), o que contribui para a personificação do medo e para a perpetuação do racismo institucional e estrutural entranhado na sociedade brasileira. Essa prática, ainda, reforça o ódio de uma classe por outra, acentuando as desigualdades que impedem a efetivação de uma sociedade justa e solidária.

É preciso estender para o alvo preferencial dos jornais policialescos as mesmas garantias que seus/suas âncoras observam para a branquitude, num exercício de responsabilidade social e ética necessária. Este é um dever que decorre dos princípios mais básicos do Estado Constitucional, dos quais a imprensa brasileira não pode se afastar, sob pena de, pelo aspecto coletivo, ferir a alma da democracia substancial, inspirada, acima de tudo, na igualdade; e, no aspecto individual, ensejar a necessidade de reparação judicial para quem se sentir lesado/a.


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