Livros de Toni Morrison são povoados por mulheres negras com personalidades fortes e histórias de vidas marcantes
Por Mariza Santana Do Jornal Opção
Um libelo contra todas as formas de racismo, na voz de uma premiada representante da literatura afro-americana. Assim poderia ser resumido o livro “A Canção de Solomon”, da escritora Toni Morrison, prêmio Nobel de Literatura de 1993, considerado uma de suas principais obras.
Escrever, portanto, uma resenha de um livro desta escritora de tamanha envergadura e currículo, não é uma missão fácil. Trata-se de um desafio de grande calibre. Como a obra foi publicada originalmente em 1977, certamente já foi objeto de inúmeras resenhas literárias produzidas por críticos mais preparados e analisada por leitores bem mais atentos.
Mas a prosa de Toni Morrison é tão densa e envolvente, e seus personagens tão complexos e cativantes, que fica difícil não se arriscar neste teste. “A Canção de Solomon” fala de personagens negros, no período das décadas de 1930 a 1960, em um Estados Unidos racista (e que ainda o é, em pleno século XXI, a despeito das conquistas dos negros na área dos direitos civis naquele país, nas últimas décadas).
Os personagens de Morrison são universais, em alguns momentos até, de certa forma, mágicos. Contribuem para isso seus nomes, que são no mínimo diferentes: Macon Dead (Morto), sobrenome adotado por um ex-escravo e legado aos seus descendentes; o apelido Milkman (Leiteiro) dado ao personagem que se alimentou do leite materno por mais tempo que o usual; assim como o amigo Guitar (Violão) e a avó Sing (Cantar). Sem falar nas mulheres denominadas Pilates, Magdale e Corinthians (esse último não relacionado ao time de futebol paulistano, mas aos coríntios, comunidade de cristãos primitivos na Grécia), termos que foram retirados da Bíblia.
“Filhinho de papai”
A autora começa sua narração descrevendo o voo (ou suicídio, se preferir) do agente de seguros Roberto Smith, em frente ao mesmo hospital onde pouco tempo depois nascia o personagem principal, o terceiro Macon Dead, apelidado de Milkman, como já foi relatado. A família deste cidadão americano de Michigan vai sendo apresentada e não tem nada de comum. Fica claro também que ele não tem um objetivo na vida. E seu pai lutou para construir uma vida financeira tranquila para todos, ao mesmo tempo em que se distanciava de sua mãe.
Mas os fios condutores do romance são o destino do avô, o primeiro Macon Dead, brutalmente assassinado por brancos em uma cidade do Sul do país, e o que aconteceu com seu casal de filhos depois da tragédia. Ao tentar desvendar esses fatos, Milkman se envolve no torvelinho familiar, e o que acontece em seguida dará finalmente certo sentido a sua vida.
Ao viajar em busca de um ouro perdido, o rapaz, agora com 30 anos de idade, vai desvendando a história de seus antepassados – e por que não, a memória do seu próprio país. Nesse momento ele começará a compreender que sua vida de “filhinho de papai”, sem grandes preocupações ou ambições, era vazia, sem nexo. Passará, então, a reconstituir a história de seu pai e de sua tia, e por meio deles, a sua própria história.
A literatura produzida por Toni Morrison é densa e fantástica (e nesse ponto lembra o maior representante do realismo fantástico dos escritores latino-americanos, Gabriel García Márquez, o Gabo, outro prêmio Nobel de Literatura). Morrison se apresenta como uma das mais importantes escritoras norte-americanas vivas. Ela tem hoje 88 anos de idade. Seus livros são povoados por mulheres negras com personalidades fortes e histórias de vidas marcantes.
Em “Canção de Solomon” o destaque é Pilates, a tia de Milkman. A despeito disso, a autora não considera suas obras feministas e defende apenas direitos iguais para homens e mulheres.
Mas como estamos no mês de março, nada melhor que buscarmos na obra desta mulher e negra, natural de Ohio, nos Estados Unidos, a reflexão e o incentivo para seguirmos adiante na luta pela igualdade de gênero e de cor.