A saúde das crianças negras

Quando se fala sobre saúde de crianças negras com profissionais da medicina, é comum que pensem logo em anemia falciforme, por se tratar de uma doença que acomete a população afrodescendente.

No entanto, a vulnerabilidade das crianças negras vai muito além. Como fazem parte da população mais pobre do Brasil, estão sujeitas inúmeras doenças ligadas à pobreza. Uma criança negra tem, por exemplo, 70% mais risco de ser pobre e 30% a mais de chance de estar fora da escola do que uma criança branca, segundo o Unicef.

A pobreza retira crianças e jovens da escola e os empurra cada vez mais precocemente para o mercado de trabalho, onde acabam desenvolvendo funções insalubres. Dados do Unicef indicam que 64,78% das crianças e adolescente que trabalham no Brasil são negros. Meninas negras representam entre 87% e 93% das crianças e dos adolescentes envolvidos em trabalho doméstico no país.

Vejam outros números:

– Uma criança negra tem 25% mais chances de morrer antes de completar um ano do que uma criança branca;

– O risco de uma criança negra morrer antes dos 5 anos por causas infecciosas e parasitárias é 60% maior do que o de uma criança branca;

– O risco de morte por desnutrição é 90% maior entre crianças pretas e pardas do que entre brancas.

– As mulheres negras grávidas morrem mais de causas maternas (como a hipertensão própria da gravidez) do que as brancas;

– As crianças negras morrem mais por doenças infecciosas e por desnutrição.

No Brasil, as doenças e os agravos prevalentes na população negra são geneticamente determinados – tais como a anemia falciforme-, ou adquiridos em condições desfavoráveis – como desnutrição, DST/HIV/Aids, mortes violentas, abortos sépticos, sofrimento psíquico e outras.

Quando falamos de adolescentes, entramos no mundo da violência, das drogas e da gravidez na adolescência. Os números também não são nada animadores:

– Em 2016, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros e a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras. Em um período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa entre os não negros caiu 6,8%, de acordo com o Atlas da Violência 2018;

– 76,2% das vítimas de letalidade policial são negras, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A análise leva em conta 5.896 boletins de ocorrência de mortes decorrentes de intervenções policiais entre 2015 e 2016;

– A incidência de aplicação de medidas que restringem a liberdade também é uma questão grave. No estado de São Paulo, onde está quase a metade do total de adolescentes infratores brasileiros, 67,7% são negros;

– O quadro de vulnerabilidade se completa ao analisar o perfil de crianças e adolescentes em situação de rua: são do sexo masculino (71,8%), entre 12 e 15 anos (45,13%). Os negros são 72,8%.

Tudo isso não acontece por falta de leis. Os Objetivos Específicos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra 2007 – Reeditada 2017, preveem:

– Reduzir a mortalidade infantil na população negra;

– Reduzir a mortalidade precoce na população negra, em especial entre jovens e adultos;

– Reduzir a mortalidade materna entre as mulheres negras;

– Reduzir a mortalidade por doença falciforme, por meio da intervenção na sua história natural;

– Reduzir indicadores de mortalidade por hipertensão arterial, diabetes mellitus, HIV/aids, tuberculose, hanseníase, câncer de colo uterino e de mama, miomas, transtornos mentais, entre outras enfermidades;

– Promover o acesso a serviços de saúde para a população negra rural, em particular os remanescentes de quilombos;

– Promover o controle de situações de abuso, exploração e violência sexual, especialmente as que incluem o preconceito e a discriminação contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais e a violência doméstica contra a população negra;

– Incluir o quesito “cor” em todos os instrumentos de coleta de informações dos sistemas de informação do SUS;

– Incluir o tema “Saúde da População Negra” nos processos de formação e educação permanentes dos trabalhadores da Saúde;

– Fortalecer a participação e a representação da população negra nas instâncias de controle social do SUS.

Entre os dias 19 e 21 de dezembro, teremos nosso 5º Congresso Internacional Sabará de Saúde Infantil, onde vamos discutir a situação da criança e do adolescente negro na dimensão da saúde em seus vários aspectos, além do biológico, abrangendo também o psicológico e o social.

Contaremos com a participação de importantes pensadores brasileiros e internacionais discutindo o assunto. Teremos uma entrevista inspiradora feita pela Marcia da Woods, da FJLES (Fundação José Luiz Egydio Setúbal), com Darem Walker, presidente da Fundação Ford Internacional – uma instituição que luta pelos direitos civis, contra a desigualdade e o racismo e prega a inclusão de mulheres e de indígenas. Vale muito a pena assistir.

Na mesma sessão poderemosegydio ouvir a voz brasileira de Jailson Souza, falando dos meninos empregados pelo tráfico nas favelas do Rio de Janeiro, com uma reflexão sobre as drogas na infância e na adolescência.

Finalizando, poderemos acompanhar ainda a discussão sobre meninas negras e os problemas na educação, passando por racismo e bullying com Suelaine Carneiro.

Em outra mesa, teremos uma discussão sobre desigualdade e racismo na infância com o professor Fernando Abruccio, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), com Selma Moreira, do Fundo Baobá, e com Atila Roque, da Fundação Ford Brasil. O encontro será moderado pelo professor Marcos Kisil, da FJLES.

Para nossa fundação, discutir a inclusão – inclusive a racial – a desigualdade e sua influência na saúde será uma das bandeiras que estamos levando nos Objetivos De Sustentabilidade da Agenda 2030.

É possível conferir a programação e se inscrever no Congresso neste link:

http://5congressosabara.institutopensi.org.br/. O prazo termina nesta quarta-feira (18).

Dr. José Luiz Setúbal (CRM-SP: 42.740) Médico Pediatra formado na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo , com Especialização na Universidade de São Paulo (USP) e Pós Graduação em Gestão na UNIFESP. Pai de Bia, Gá e Olavo. Avô de Tomás e David.

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