A uma criança negra sonhar não é permitido

@PIXABAY

Há poucos dias estava em uma sala onde haviam várias crianças, cada uma delas se divertia a seu modo.

Enquanto observava vi duas meninas sentadas em volta de uma mesa com bonecas no colo, certamente representavam suas filhas, uma outra menina longe da mesa. De repente escuto: empregada… você tá demorando pra trazer o café!

por Bernadete Aparecida Martins dos Santos via Guest Post para o Portal Geledés

Acredito que seja desnecessário dizer que a criança que representava a empregada era negra.

A menina sai correndo em direção à mesa e pede desculpas enquanto servia as outras.

Eu enquanto mulher, adulta, munida de alguns conhecimentos sobre o racismo, não consegui me controlar diante daquela situação e intervi na brincadeira.

Questionei do que estavam brincando e a menina que representava a empregada respondeu, estamos brincando de casinha e eu sou a empregada delas.

Perguntei novamente, por que ela era a empregada e ela respondeu que não sabia, as outras meninas riram meio sem graça, mas também não responderam…

Sugeri então que não tivesse a empregada, que todas poderiam ser amigas e prepararem o café juntas e cuidassem das coisas como boas amigas.

Elas até aceitaram minha sugestão e seguiram a brincadeira.

No mesmo dia ouvi de longe a criança que representava a empregada dizendo as colegas: – Não, não vou ser empregada, nem a babá, se a gente for brincar vamos ser amigas, cada uma cuida da sua filhinha e a gente toma café juntas.

Situações como essa trazem uma reflexão triste a ser feita; são crianças reproduzindo um estereótipo produzido culturalmente que interfere na construção da subjetividade do outro.

Nosso processo de subjetivação passa pelo crivo do outro também!

Ninguém perguntou o que aquela menina queria ser na brincadeira ou na vida, simplesmente lhe deram o papel de empregada e pronto.

Fico me perguntando em que momento aquela menina poderá sonhar os seus sonhos e não representar os sonhos que essa cultura tem para ela? Quando é que o outro poderá contribuir para que ela tenha a possibilidade de sonhar como um ser igual?

Estou falando de crianças que sonham em serem patroas, e de crianças a quem não é permitido sonhar os mesmos sonhos e nem ao menos reproduzir isso nem sagrado momento da fantasia, onde teoricamente se pode tudo.

Quando é que o simbólico dessa menina conseguirá se apropriar de algo que ela não pode se quer simbolizar?

Sim, este é apenas mais um pequeno recorte que tece essa colcha de retalhos imensa de proporcionais à dimensão do horizonte, sobre o racismo, mais uma evidência que precisamos cada vez mais nos fortalecer e nos empoderar.

Somos negros e podemos sonhar sim!

 

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

+ sobre o tema

Estupro coletivo de espanholas em praia choca o México

Mesmo em um país já acostumado à violência crescente,...

E quem se responsabiliza pelo abandono da mãe?

E mais: se a mulher escondeu a gravidez por...

Os direitos do trabalho doméstico e as agruras da classe média na mídia

Uma coisa positiva proporcionado pela luta em prol das...

Tradução da escritora brasileira Conceição Evaristo é premiada na França

“A escrita da Conceição Evaristo trabalha com diferentes registros de...

para lembrar

A violência contra a mulher indígena brasileira e a Lei Maria da Penha

BRASILEIRAS: O programa é uma edição especial do Brasil...

Documentário: Clitóris, prazer proibido

Com depoimentos de médicos, educadores sexuais e mulheres em...

Marido é indiciado por feminicídio após matar dançarina de funk

Mais um caso absurdo de violência contra a mulher...

Penso, logo existo: Stephanie Ribeiro, diversidade e não ao racismo

Aos 23 anos, Stephanie Ribeiro é exemplo de liderança...
spot_imgspot_img

Prêmio Faz Diferença 2024: os finalistas na categoria Diversidade

Liderança feminina, Ana Fontes é a Chair do W20 Brasil, grupo oficial de engajamento do G20 em favor das mulheres. Desde 2017, quando a Austrália sediou...

Dona Ivone Lara, senhora da canção, é celebrada na passagem dos seus 104 anos

No próximo dia 13 comemora-se o Dia Nacional da Mulher Sambista, data consagrada ao nascimento da assistente social, cantora e compositora Yvonne Lara da Costa, nome...

Mulheres recebem 20% a menos que homens no Brasil

As mulheres brasileiras receberam salários, em média, 20,9% menores do que os homens em 2024 em mais de 53 mil estabelecimentos pesquisados com 100...
-+=