A vida das pessoas negras não importa, e o status quo deve ser conservado para que indivíduos brancos possam continuar a controlar praticamente tudo.
Por Charles R. Larson, no Carta Maior
A vida dos negros não importa. Se importasse, a expressão BlackLivesMatter não seria necessária. Ela nunca importou, a começar pelas origens escravagistas do nosso país. Africanos eram escravos, porque as pessoas brancas não os consideravam humanos. A Constituição, de certa forma, apoiou isso. Após a Guerra Civil [ou Guerra de Secessão], os negros não eram mais tecnicamente considerados escravos, embora fossem amplamente tratados da mesma forma. Jim Crow garantiu isso – e a maioria dos aspectos de suas vidas (tanto no Sul como no Norte) foram projetados para mantê-los subservientes: educação, habitação, empregos e, sobretudo, a justiça.
Essa é uma trajetória política que continua até hoje. O movimento Black Is Beautiful ajudou a melhorar o senso de dignidade dos americanos negros, mas não a forma como as pessoas brancas olham para eles. A prova disso? Em primeiro lugar, a luta de Barack Obama para escapar do racismo (principalmente encoberto) desde a sua primeira campanha. “Você mente!” Um congressista gritou para Obama durante um de seus Discursos sobre o Estado da União. Isso teria acontecido se Obama fosse branco? Além disso, houve pelo menos cinquenta tentativas para tentar eliminar o Obamacare. Sem contar o mantra do Partido Republicano: “Nosso objetivo é garantir que Obama seja presidente de um só mandato”. Os conservadores preferem destruir o país do que dar a Obama um pingo de crédito para qualquer coisa. Eles estão determinados a diminuir o seu lugar na história. E têm trabalhado em tempo integral para que isso aconteça.
A vida dos morenos também não importa muito: os indígenas e os latinos foram frequententemente rebaixados na gritaria dos debates presidenciais republicanos, a fim de atender a maioria branca do país. Na prática, isso significa se submeter aos homens brancos de baixa escolaridade, com poucas perspectivas de emprego, que têm visto a sua sorte ameaçada por quase quarenta anos. A ascensão do feminismo na década de 1970 deu um belo susto neles, mas esses caras brancos sempre souberam que, enquanto persistisse a discriminação contra os negros, eles seriam escolhidos no lugar de candidatos negros mais qualificados em uma entrevista de emprego. Finalmente, a diferença educacional – especialmente entre mulheres pretas e de homens brancos das classes baixas – se tornou tão óbvia, que estes homens brancos começaram a perder a cabeça. Eles morrem de medo em relação a um futuro em que os brancos seriam uma minoria nos Estados Unidos. Seus privilégios, unicamente baseados na cor de sua sua pele, estão prestes a se esgotar.
Isso explica, em grande parte, o fanatismo dos candidatos presidenciais republicanos e sua crença de que a vida negros não importa. Os latinos foram adicionados ao seu lamúrio no início da campanha. Então, quando a oportunidade do terrorismo chegou – estenderam a sua indignação para os muçulmanos. Como é irônico que os candidatos presidenciais republicanos tenham abraçado a cartilha do Estado-Islâmico: aterrorizar a vida das pessoas, até que elas se alegrem com o seu dircurso racista. Quem será adicionado à lista em seguida? Os asiáticos, por minar a nossa economia? Judeus, novamente, já que muitos dos comentaristas liberais são judeus? Nem sequer mencionam os LGBTs. Então, racismo e homofobia estão vivos e bem-alimentados nos EUA, como eles sempre estiveram.
O país está em uma terrível bagunça. Enfrentamos problemas enormes enquanto uma nação, e nossos representantes eleitos costumam ignorá-los. Donald Trump assegura a seus seguidores que vai consertar tudo, uma vez eleito, mas ele não providenciou muitas ideias sobre como pretende fazê-lo. Os democratas temem que o racismo nos leve de volta para os campos de concentração, pras fronteiras fechadas ou pior. E um número decrescente de homens brancos com baixa escolaridade e pouco qualificados acreditam que tudo que precisam fazer é atacar Centros de Planejamento Familiar [onde se realizam procedimentos para interrupção de gravidez] e os problemas do país desaparecerão. Seus representantes ligeiramente mais informados no Congresso acreditam que os problemas de crescimento e envelhecimento populacional podem ser resolvidos com financiamento reduzido. Alguns deles bradam por outra guerra, mas eles não querem financiá-la aumentando impostos ou restabelecendo um projeto que poderia prejudicar o futuro dos seus próprios filhos e filhas.
A vida dos negros não importa, mas também as demais não importam muito, desde que o status quo possa ser conservado e indivíduos brancos (de todos os níveis econômicos e educacionais) possam continuar a controlar praticamente tudo. Sua negação da mudança climática denuncia seu medo de perder a capacidade de controlar o mundo que eles têm mantido ao seu alcance por tantos anos. Como Alberto Moravia escreveu em Which Tribe Do You Belong To?? (1974),
“Não há maior sofrimento para os homem do que sentir que seus fundamentos culturais estão ruindo sob seus corpos”. Moravia escrevia sobre um outro contexto e sobre um outro tempo. Mas, se trocarmos a palavra “sofrimento”, em sua observação, por “medo”, é possível compreender o contexto dos homens brancos norte-americanos e o sofrimento que causaram às pessoas de outras cores, etnias, gêneros e religiões.
Charles R. Larson é professor emérito de literatura da American University em Washington, D.C. Seu email é: [email protected]. E seu twitter: @LarsonChuck.
Tradução por Allan Brum