Pianista de Pernambuco passa por São Paulo com o disco ‘Sangue Negro’; depois do carnaval, ele começa a gravar um segundo álbum para ser lançado com exclusividade por um selo inglês.
Por Julio Maria Do Estadão
Se seguisse os prognósticos, Amaro Freitas venderia tapioca no calor do Alto da Sé de Olinda. Qualquer coisa, menos viver de música nos moldes em que ele acreditava. As três regras para dar certo repetiam-se em conversas com amigos. 1. Mude-se para São Paulo. 2. Toque com músicos de São Paulo. 3. Comece gravando standards do jazz. E assim, quando tudo der certo, prepare-se para viver complementando a renda com trabalhos que nada terão a ver com sua música.
Amaro, pianista, compositor, 26 anos, nascido no bairro de Nova Descoberta, a noroeste do Recife, quebra os padrões com a força de uma energia musical inesgotável. Seu disco Sangue Negro, de 2017, ganhou elogios em todos os textos e o leva agora a um desdobramento internacional. Depois do carnaval, ele volta ao estúdio para gravar um disco a pedido do selo independente inglês Far Out, que já lançou Joyce, Marcos Valle, Azymuth e Arthur Verocai no Reino Unido. O disco novo, adianta Amaro, vai usar a tradição do Nordeste do País como fundo. O álbum só será lançado no Brasil seis meses depois de atender ao contrato de exclusividade do lançamento inglês. Em outras palavras, os executivos ingleses piraram com o som de Amaro Freitas.
Antes disso, Sangue Negro segue nos palcos. “Gravado com músicos pernambucanos e com temas autorais. E eu continuo morando no Recife”, diverte-se. Um show nesta quarta (24), às 20h30, no Sesc Pinheiros, vai mostrar seu repertório. Ao lado de Amaro, Jean Elton, no baixo acústico, e Hugo Medeiros, baterista. O show já passou por São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e outros estados. O Blue Note, do Rio, lotou para vê-lo em duas sessões seguidas.
Há algo de novo na euforia em torno de Amaro Freitas. O hype de seu nome vem chamando atenção por abrir caminho com uma música conhecida por se expandir mais off do que online, circulando em pequenas casas de shows sem a influência direta da web. O que é regra no novo rap ou no rock indie, que fazem dos compartilhamentos em redes sociais muitas vezes sua razão de existir, ainda não existe no instrumental. Amaro pode fazer a diferença também aí.
Sangue Negro é sobretudo um álbum de jazz. E um jazz que quando fica brasileiro não paga pedágio para brasilianices obrigatórias de caixas de bateria fazendo maracatus. Sua terra aparece na vibração de seu piano e no alto nível de contágio de sua música. Amaro pensa como jazzista e assume seus ídolos no caldo que resulta do encontro de Thelonious Monk, Chick Corea, Herbie Hancock e o barro de Pernambuco – tudo o que ele ouvia desde que o jazz passou a ganhar terreno da música de igreja que o pai havia lhe apresentado.
O frevo Encruzilhada mostra as duas pontas de um talento. Um autor de um tema vigoroso e um improvisador de muitos compassos com discurso e dinâmica. Seu piano cresce e cria um envolvimento gradual para terminar vitorioso depois de 5 minutos e 40 segundos. Na outra ponta, Sangue Negro, a música, é um jazz de dramaticidade e suspense, com direito a um belo walking bass de Jean e ao solo de sax cortante de Elíudo Souza. A produção musical de Rafael Vernet merece respeito.
Amaro tem outro ponto fora da curva. Ele fala. E quando fala, se posiciona. Por alguma razão, o meio instrumental no Brasil é mudo de bons entrevistados. O jazzista americano tem militância e posicionamento social, do ativismo raivoso de Miles Davis ao politizado Dizzy Gillespie, que chegou a lançar uma espécie de candidatura paralela à presidência dos Estados Unidos em 1964, nomeando para seus gabinetes Miles e Duke Ellington.
A conversa com Amaro, assim, fica fácil. Sobre posturas dos músicos de seu meio: “Há um grande jogo de egos. Os caras não percebem que as estéticas são diferentes e dizem que as bandas de rock, por exemplo, são desafinadas. Há um grande preconceito dos dois lados.” Sobre otimismo e pessimismo: “Sempre fui cercado de gente dizendo que não era possível viver de música instrumental no Brasil. O que está faltando é empreendedorismo dessas pessoas e organização. É muita gente acomodada. Se não tem Sesc, vamos fazer onde podemos. Eu já toquei até nas ruas do Recife.”
Amaro Freitas
Sesc Pinheiros. Hoje (24)
às 20h30. Rua Paes Leme, 195.
Ingressos: R$ 7,50 a R$ 25
Tel.: 3095-9400