Em 1970, a revolucionária Angela Davis figurava na lista das pessoas mais perigosas do mundo, segundo o FBI. Naquele ano, no dia 13 de outubro, a jovem de 26 anos foi encontrada por um agente do órgão do departamento de polícia dos Estados Unidos e, de forma histórica, sua prisão se tornou um símbolo de um movimento de libertação que moveu anônimos e famosos que ficou conhecido como “Libertem Angela Davis”.
Em sua última visita ao Brasil, em 2019, uma das maiores referências dos movimentos negros, feministas e de abolicionismo penal do mundo mencionou Marielle Franco, disse que Jair Bolsonaro “parece se identificar com ditadores militares” e levou, segundo a editora Boitempo, que organizou os dois eventos em que ela palestrou, 30 mil pessoas a ouvirem sobre sua trajetória.
Hoje, Davis completa 78 anos. Morando na Califórnia, participando de eventos virtuais devido ao isolamento pela pandemia —ela escreveu um livro com mais duas autoras fazendo videochamadas—, é uma militante que também vai às ruas: durante os protestos de 2020 ativados pelo movimento Black Lives Matter, acompanhou os manifestantes que ecoavam palavras de ordem contra a desigualdade racial. De máscara no rosto e punho erguido, como mostra a foto que abre esta matéria.
No último ano, reafirmou sua defesa pelo abolicionismo penal. Há menos de dez dias, uma nova edição do livro “Angela Davis —Uma Autobiografia” (originalmente lançado em 1974) foi publicada nos Estados Unidos com uma introdução inédita feita por ela, em que contextualiza os protestos que tomaram o mundo no ano anterior, a partir do assassinato de George Floyd. Para o jornal “Los Angeles Times”, as novas páginas escritas pela militante a fazem ser “mais importante do que nunca”. Não há previsão de lançamento de nova edição com a reformulação no Brasil.
A seguir, destacamos mais detalhes da luta de Angela Davis que ainda hoje se movimenta para provar que “a liberdade é uma luta constante”, frase que dá nome a um livro que compila falas e entrevistas que deu em diferentes países entre 2013 e 2015.
O que a luta de Angela Davis nos ensina?
Depois de 15 anos atuando no corpo docente da UC Santa Cruz, na Califórnia, Angela Davis se aposentou como Professora Emérita de História da Consciência e Estudos Feministas da faculdade, em 2008.
Sua trajetória política é marcada pela filiação ao Partido Comunista dos Estados Unidos —Davis foi candidata a vice-presidente da República em 1980 e 1984— e ela fez importantes contribuições para o Panteras Negras.
Fora do meio acadêmico, no entanto, sua atividade por justiça social e racial até hoje tem impacto em homens e mulheres, sobretudo negros, para se atentarem à necessidade de lutar contra as opressões, englobando questões como raça, classe, gênero.
Mulheres negras movem a democracia
Na passagem pelo Brasil, a filósofa, ativista e intelectual destacou a importância de mulheres negras à frente das articulações políticas. “Não há democracia sem a articulação de mulheres negras, porque elas representam os pobres, os indígenas, as vítimas de violência racial e os oprimidos.”
A historiadora Raquel Barreto, que também assina o prefácio da edição brasileira de “Uma autobiografia”, em entrevista a Universa, ressaltou à época a influência que ela tem sobre o pensamento do sistema político. “Ter uma mulher como Angela Davis, que constrói militância e produção teórica sobre esses temas, e na hora que temos refletido sobre democracia, liberdades individuais e políticas, só reforça a ideia de que temos que disputar narrativas sobre isso.”
Feminismo não é só sobre mulheres
Angela Davis é um ícone antirracista, que luta pelo fim do encarceramento de pessoas negras e que questiona o capitalismo. Tudo isso está em suas falas sobre feminismo e faz conexão entre o passado e o presente de sua militância. A prova da importância dessa forma de ver as lutas em sua vida está em uma entrevista recente que deu ao site “Democracy Now” neste mês.
Ao responder sobre como foi rever o conteúdo escrito por ela quando tinha vinte e poucos anos, ela reconheceu ter usado frases homofóbicas sobre os 18 meses em que esteve na prisão feminina.
“A linguagem que usei para descrever o que acontecia nas prisões femininas era muito homofóbica. E eu era um produto do meu tempo. E é muito inspirador reconhecer até onde chegamos, não apenas na maneira como falamos sobre sexualidade, mas na maneira como falamos sobre gênero e na maneira como estamos constantemente desafiando as noções binárias de gênero”, explicou à entrevistadora.
“Ao reler aquele texto, tomei consciência da importância absoluta do feminismo antirracista, anticapitalista, abolicionista.”
Na mesma entrevista, a ativista informou sobre um livro publicado me maio do ano passado, durante a pandemia, ao lado das também professoras, militantes e feministas Gina Dent e Beth Richie: “Abolition. Feminism. Now.” (em português, “Abolição. Feminismo. Agora”, porém, sem previsão de lançamento para os leitores brasileiros).
Para Davis, o momento, inclusive, é propício para que esses temas surjam no debate público. “Agora que as mobilizações de massa se acalmaram, as pessoas estão pensando, talvez, sobre qual pode ser o impacto duradouro desse momento, dessa conjuntura histórica específica. Sentimos que as ideias que oferecemos neste livro serão úteis para o processo de provocar uma mudança radical”.
A esperança está na luta dos jovens
Inspirando e sendo inspirada pelos jovens, Davis contou em entrevista à revista Bazaar norte-americana que o que traz esperança para ela nestes tempos é a mobilização de jovens. “Acho que nunca poderia imaginar que estaríamos neste ponto. Que haveria jovens não apenas falando sobre feminismo de forma interseccional, mas abraçando a abolição. Nunca pensei que testemunharia um momento como esse.”