Após Paraisópolis, OEA pede que Brasil se solidarize com população negra

Em audiência feita no Haiti, na sexta-feira passada (6), representantes do governo brasileiro tiveram de ouvir, presencialmente, o depoimento da irmã de Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16, um dos nove jovens mortos após uma ação policial em um baile funk na favela de Paraisópolis, em dezembro.

Por Luís Adorno, do UOL

Geledés

 

Fernanda dos Santos Garcia, 27, a irmã do jovem, afirmou que o Estado brasileiro arruinou sua vida para sempre. “Chegar na nossa casa e saber que eu nunca mais iria ver o meu irmão… Ele foi tratado com tanto amor, com tanta dificuldade, para um órgão do estado vir tirar a vida dele sem razão alguma”, disse, com a voz embargada.

O desabafo foi feito em audiência da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), da OEA (Organização dos Estados Americanos). Com representantes do governo federal à mesa, foi pedido, como ação mínima, uma prestação de solidariedade do Estado brasileiro às famílias de vítimas de violência policial como um todo.

O pedido foi feito por Joel Hernández García, comissário da CIDH. “Gostaria de escutar uma expressão de solidariedade dos representantes do Estado brasileiro à população negra. É o mínimo que podem levar desta audiência”, disse. Na sequência, representantes do governo federal disseram palavras de solidariedade a Fernanda.

Relatório da PM aponta que as mortes dos jovens — que tinham entre 14 e 23 anos — foram causadas pela ação policial, mas isenta os agentes do estado. A corporação analisou que houve “legítima defesa” na operação.

“Me dei conta de que meu irmão foi assassinado”

Durante depoimento na audiência, Fernanda dos Santos Garcia afirmou que soube da morte de seu irmão por meio da patroa de sua mãe, que trabalha como empregada doméstica. “Ela nos viu procurando por ele através do Facebook. Ela tomou a liberdade de ligar no hospital. Foi constatado que ele estava lá”, disse.

Ao chegar no hospital, a família foi avisada de que ele entrou no local já morto. “A partir daí, eu fui até o IML (Instituto Médico Legal). Só pude vê-lo por foto, uma foto somente do rosto. No dia seguinte, fui fazer o reconhecimento do corpo. Ele estava coberto da altura do peito até um palmo do joelho”, afirmou.

“Tive acesso ao corpo do meu irmão, de fato, dentro do velório. Eu pedi para que todos saíssem para que eu pudesse ver o meu irmão. Lá eu constatei que não tinha vestígios de que ele tivesse sido pisoteado, como havia sido dito. Foi aí que eu me dei conta de que meu irmão foi assassinado, não foi pisoteado. Mataram ele. Não só ele, como mais oito jovens”, complementou.

Ainda segundo ela, um outro irmão, de 10 anos, agora é acompanhado por um psicólogo, por conta do trauma. “Nós não sabemos como será o nosso futuro. Eu tenho um filho de 4 anos. Temo por ele. Não só por ele, como por irmãos, primos e por todos nós. Porque acredito que todos nós, pobres e negros, estamos à mercê disso.”

Defesa do Estado brasileiro

Antonia Urrejola Noguera, comissária da CIDH, afirmou que, “em um país que não está em guerra, em um país que não está em uma crise política, em um país que está em uma democracia, um grupo da população sentir medo permanentemente é grave”.

Em resposta, o governo brasileiro disse que o caso de Paraisópolis está em apuração, mas que mantém políticas públicas para igualdade entre gêneros e raça.

Sandra Terena, secretária nacional de políticas da promoção da igualdade racial do Ministério da Mulher, afirmou que o governo está comprometido “em construir e executar políticas públicas que reverberem positivamente a consolidação de um estado democrático, plural e de direitos, no qual os afrodescendentes possam ter garantida a sua existência”.

Coordenadora política de prevenção de crimes contra a mulher e grupos vulneráveis do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Giselle Arcoverde afirmou que “se houve atos reprováveis da atuação policial [em Paraisópolis], estão sendo investigados e apurados. E, se verificadas, serão sancionadas providências”.

“O caso de Paraisópolis encontra-se em apuração pelas instâncias competentes. Razão pela qual, em respeito à separação dos poderes constitutivos, deve-se aguardar a sua manifestação definitiva”, afirmou a coordenadora.

“Nosso sistema de Justiça é muito robusto e tem a matriz constitucional. Então, para nós, é muito importante o cumprimento do ordenamento jurídico brasileiro”, acrescentou.

“Não vivemos um momento de normalidade”

O historiador Douglas Belchior, da Coalizão Negra por Direitos, que participou da audiência, afirmou que “as instâncias internacionais de Direitos Humanos são espaços criados justamente para constranger os países que violam Direitos Humanos e cobrar práticas para que cessem essas violações”.

Nesse sentido, disse que os governos federal e estadual foram tidos, na ocasião, como violadores de Direitos Humanos. “Eles têm orgulho delas. Fazem discurso de ódio. Provocam suas polícias a serem mais violentas”, afirmou.

“Foi muito importante que o comissariado da OEA cobrasse solidariedade e desculpas por parte dos representantes do Estado brasileiro, porque isso deixa caracterizado para a comunidade internacional que nós não vivemos um momento de normalidade democrática no Brasil. Isso escancara para o mundo”, complementou.

Familiares de vítimas de Paraisópolis participam de passeata por justiça

Centenas de pessoas participaram de uma passeata que vai de Paraisópoles até o Palácio Bandeirantes (Foto: Felipe Pereira/UOL)
Centenas de pessoas participaram de uma passeata que vai de Paraisópoles até o Palácio Bandeirantes (Foto: Felipe Pereira/UOL)
Centenas de pessoas participaram de uma passeata que vai de Paraisópoles até o Palácio Bandeirantes (Foto: Felipe Pereira/UOL)
Centenas de pessoas participaram de uma passeata que vai de Paraisópoles até o Palácio Bandeirantes (Foto: Felipe Pereira/UOL)

 

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