Violência policial contra negros é denunciada à OEA

Há cem dias, a Polícia Militar de São Paulo entrou no baile funk da DZ7, em Paraisópolis, e causou um tumulto que provocou a morte de nove jovens. Na última sexta (6), a Corregedoria da PM concluiu que os policiais devem ser absolvidos e usou a excludente de ilicitude para justificar o que considerou como legítima defesa, ou seja, os 32 policiais não devem ser responsabilizados pela ação que resultou nessas mortes.

Por Maria Carolina Trevisan, enviado para o Portal Geledés

Maria Carolina Trevisan (Foto: André Neves Sampaio)

O órgão ignora que os policiais não seguiram o protocolo sigiloso de controle de distúrbios civis da Força Tática, ao qual o UOL teve acesso com exclusividade. Também não considera outras irregularidades na conduta dos PMs no socorro às vítimas, que tinham entre 14 a 23 anos. A maioria era negra.

A violência policial contra a população negra do Rio de Janeiro e de São Paulo tem sido sistemática. A situação é tão grave que foi denunciada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), na sexta (9), em sessão no Haiti. Foram objeto da denúncia, o caso de Paraisópolis e as operações policiais nas favelas, comandadas pelo governador Wilson Witzel (PSC), que deixaram mais de 1.800 pessoas mortas, entre elas, seis crianças, em 2019. Um recorde. Em São Paulo, foram 867 mortes em decorrência de intervenção policial.

Do total das vítimas de homicídios cometidos por policiais no Brasil, 75% eram negras, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, o que evidencia o racismo no país. “O Estado brasileiro vem executando o povo negro”, afirmou na audiência Rosilene Torquato, da Agentes Pastoral Negros e da Coalizão Negra por Direitos, composta por 150 organizações do movimento negro.

“Mataram o meu irmão”, disse Fernanda Garcia, 27 anos, irmã de Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16, vítima da investida da polícia em Paraisópolis. “É um pesadelo constante chegar em casa e saber que nunca mais vou ver meu irmão, que foi tratado com tanto amor e tanta dificuldade. Minha mãe é empregada doméstica. Tenho um filho de 4 anos. Temo por ele. Todos nós, pobres e negros estamos à mercê da violência policial.” Os participantes denunciaram o direito de crianças e jovens negros andarem na rua sem serem mortos ou sofrerem enquadro policial.

Sandra Terena, secretária nacional de promoção da igualdade racial (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) falou de políticas de promoção da igualdade racial, elaboradas em gestões anteriores, que não têm relação direta com o combate à violência. Giselle Arcoverde, coordenadora de políticas de prevenção de crimes contra a mulher e grupos vulneráveis do Ministério da Justiça e Segurança Pública, afirmou que as polícias são responsabilidade dos estados e falou de iniciativas de padronização de estatísticas e procedimentos do Plano Nacional de Segurança Pública. A defesa do Estado brasileiro não convenceu a comissária Margareth Macaulay, que requereu informações mais claras. “Há um alto nível de impunidade para os crimes cometidos contra a população afrodescendente no Brasil”, disse.

Macaulay também expressou preocupação acerca dos ataques promovidos por autoridades do governo Bolsonaro contra mulheres jornalistas. “Enquanto mulher, fico muito preocupada com o fato de o presidente da República cometer ataques e fazer colocações agressivas e ofensivas a jornalistas mulheres. Isso é uma contradição gritante entre os direitos constitucionais, ainda mais vindo de um líder do Estado. É como se o presidente desse uma licença para que todos tratem as mulheres de forma desrespeitosa. É muito preocupante o que está acontecendo.”

A denúncia incluiu também a execução da vereadora do PSOL Marielle Franco, negra, assassinada há quase dois anos junto com seu motorista Anderson Gomes. O crime ainda não foi solucionado.

 

 


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