Alunas apontam o professor como machista, preconceituoso e homofóbico

Misoginia Geral, Introdução à Homofobia, Métodos de Machismo. Para um grupo de estudantes da Universidade Federal da Bahia (Ufba) essa era, mais ou menos, a ementa do curso, ou melhor, das disciplinas ministradas pelo professor Luiz Santiago de Assis, do Instituto de Física. Acusado de declarar frases como “mulher ou é bonita ou é inteligente” durante as aulas e de fazer piadas com conotação sexual que constrangia as alunas de Física e Engenharia, Santiago foi afastado por 60 dias das salas de aula para responder a um processo interno que deve apurar as acusações.

por Alexandro Mota no, Correio 24h

Meninas que foram alunas do professor em diferentes semestres se uniram após descobrirem que a postura do mestre não era algo isolado, mas já vinha acontecendo em turmas anteriores. Elas protocolaram na Ouvidoria da universidade uma denúncia que apontam terem vivido situações de “assédio sexual”. As estudantes relatam que foram encorajadas a fazer as denúncias ao descobrirem que a mesma conduta do professor era percebida em semestres anteriores. O problema afetava alunas tanto do Instituto de Física, quanto da Politécnica (engenharias) que cursavam disciplinas da grade do curso ministrado por Física.

Inicialmente, as estudantes do semestre em curso disseram que ficaram perplexas com as declarações, mas após conversarem com professoras mulheres e se planejarem para  gravar as declarações, elas decidiram não se manifestar durante as aulas, buscando a forma administrativa para resolver os abusos.

Denúncia

No documento entregue à Ouvidoria da Ufba, que o CORREIO teve acesso, as alunas apontam o professor como machista, preconceituoso e homofóbico. Segundo elas, ele atribui a beleza feminina à falta de capacidade intelectual e já criticou as alunas por usarem bermudas, o que, segundo ele, seria uma provocação das estudantes. “Nenhuma mulher de respeito deveria usar shorts curtos”, atribuem as alunas como fala do professor durante as aulas.

Contam ainda que ele elogiava o corpo das moças e se referia de forma pejorativa a alunas de semestres anteriores. “Já tive alunas muito boas”, dizia Santiago, conforme relatos. Em uma das aulas, quando quatro estudantes estavam no fundo da sala, ele teria perguntado, com sentido sexual, no entendimento das estudantes, o que eles estariam fazendo “de quatro”.

O professor também comentava sobre sua vida pessoal, sobre a ex-mulher e até sobre a filha, sempre disposto a diminuir a capacidade feminina na sociedade, também conforme os relatos. Em sala, teria chegado a atacar até mesmo colegas pesquisadoras. Após criticar o livro de uma professora da instituição, teria afirmado: “Na minha época, se estudava pelos (livros escritos por) machos”.

Ofensa

Questionada sobre o que mais a ofendia, uma das estudantes, de 19 anos, respondeu que a forma como o professor se referia ao corpo feminino era o mais grave. “Ele se referiu aos seios das mulheres como se fosse um objeto qualquer. A forma como ele falava havia sempre uma conotação sexual”, detalhou a jovem, sob anonimato.

As declarações do professor aconteciam tanto em conversas de canto de sala, com os alunos homens, como durante a exposição das aulas e experimentos que eram interrompidos para que o professor falasse de suas opiniões e de sua vida pessoal. “A posição dos professores, na condição de educador, não cabe isso. Um educador em sala de aula, por mais que ele tenha as opiniões dele, precisa manter o respeito”, opina uma das denunciantes.

Apuração

Segundo a ouvidora da Ufba, Denise Vieira, a denúncia está tendo o tratamento administrativo com o Instituto de Física. A Reitoria não acompanha o caso diretamente e  cabe ao instituto tomar as medidas que achar adequadas.“O poder executivo é de cada órgão da Ufba. Apenas ouvimos os denunciantes. Cabe à direção da unidade analisar o que está sendo dito. Eles estão, no momento, apurando os fatos”, detalhou ela.

Não há uma definição do que pode acontecer com o professor já afastado, segundo a ouvidora. “(O desdobramento) vai depender da apuração. Qualquer pessoa pode acusar outra. O que é preciso agora é uma análise criteriosa”, completou. No Instituto de Física foi criada uma comissão de sindicância no último dia 14 de maio. Esse grupo, formado por três professores, um de cada departamento do instituto, tem 30 dias (prorrogáveis por mais 30) para concluir a apuração.

“Fomos notificados pela Ouvidoria e a direção da Faculdade Politécnica também sinalizou de que alunos apontavam uma irregularidade na docência. O professor foi afastado, dentro do regime jurídico, de forma cautelar, para que haja a apuração”, detalhou o diretor do instituto, Raimundo Muniz Filho. “Estamos acompanhando a comissão de sindicância lá em Física. Todos devem ser ouvidos e esperamos que se encontre uma resposta justa e imparcial para se tomar as providências necessárias”, afirmou a diretora da Escola Politécnica, Tatiana Dumêt.

Punição

A sindicância é regida pela Lei 8.112, que regula o serviço público federal. Segundo a legislação, essa apuração pode resultar no arquivamento do processo, na aplicação de advertência ou suspensão do funcionário por até 30 dias ou, ainda, na instauração de um processo disciplinar.

Caso haja a instauração do processo disciplinar, a lei diz de que ela pode chegar à demissão do funcionário e obriga os servidores responsáveis pela apuração de comunicar ao Ministério Público, caso seja identificado que a infração cometida pelo servidor seja qualificada como um ilícito penal.

“Nossa postura não tem como ser diferente. Não faz sentido essas posições machistas. Inclusive, por lei, isso não é admissível, além de ser um comportamento antiquado que não é tolerado na sociedade atual. No instituto, se comprovado, esse será um comportamento excepcional”, defende Muniz Filho.

O professor

Santiago faz parte do quadro efetivo de funcionários da Ufba e grande parte de sua carreira foi construída dentro da universidade que lhe concedeu seu primeiro diploma de graduação, em 1977. No entanto, ele também dava aulas em faculdades particulares. Todas foram procuradas e informaram não mais ter Santiago no seu quadro.

O professor não foi localizado para comentar as acusações. CORREIO escreveu um e-mail para ele na quarta-feira (20) esclarecendo que publicaria a reportagem e ressaltando a importância do seu retorno para garantir sua defesa. O contato foi novamente replicado na sexta-feira.
O diretor do Instituto de Física foi solicitado para ajudar a intermediar o contato, mas informou que o telefone do professor estava desligado.

Repercussão

No depoimento das estudantes ao CORREIO, a insatisfação de que situações próximas a essas são frequentes na instituição, envolvendo principalmente os rapazes do curso. “Geralmente, temos quatro, seis alunas em turmas de 20 ou 30 homens. No momento que o professor (Santiago) fazia esses comentários machistas, a maior parte deles dava risada”, relatou uma das estudantes.

Esse semestre, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) criou uma Frente Feminista, uma organização das mulheres alunas e funcionárias da universidade que promove escutas públicas sobre casos de violação de direitos. O fórum tem encontro semanal para debater melhorias na política de mulheres na instituição a longo e médio prazo, entre as questões que buscam junto à Reitoria é a criação de uma Rede de Atenção às Mulheres.

“As questões de violência contra a mulher não são pontuais na sociedade. Na universidade também não. Falta uma política própria para essa questão, para dar uma resposta a essas questões”, defende Maria Joana Uzêda, diretora de Mulheres do DCE e estudante de Ciências Sociais.

Segundo Tatiana Dumêt, diretora da Politécnica, embora não sejam corriqueiras, essas denúncias têm histórico na instituição e estariam presentes não só na relação entre professor e alunas, mas também entre alunos e professoras e entre os próprios estudantes. “Toda e qualquer forma de desrespeito e de preconceito é inaceitável dentro de uma instituição de ensino. Aqui, nosso papel não é só da formação técnica, mas também somos responsáveis pela formação cidadã. Mas essas posturas não representam o que a maioria das pessoas que estão aqui pensa”, considera.

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