As fontes ornamentais, o feng shui, a política e a democracia

Desconfiai de gente muito áspera e dura que nunca tem tempo a perder, que acha que só ela faz política e que o resto do mundo faz corpo mole e ainda olha de cara feia para quem se encanta com uma poesia, uma música, uma plantinha, um livro, o doce barulho e o frescor de uma fonte ornamental. Tais pessoas nem fazem política como deveriam, a busca do bem-estar comum, nem são boas companhias. Fujo delas!

Por Fátima Oliveira, do O Tempo 

Outro dia, uma implicou com uma fonte ornamental que tenho em minha sala e que embala o meu escrevinhar. Não adiantou eu enumerar os benefícios para o bem-estar e a sanidade mental advindos de uma fonte, tais como: em dias de muito calor, umidifica o ar, refrescando o ambiente, e o barulhinho da água acalma, relaxa… E quem no campo democrático não precisa de uma válvula de escape em tempos tão bicudos? Sem falar que uma fonte diminui exponencialmente a necessidade do ar-condicionado. Em suma, diminui a conta de luz!

“O Brasil pegando fogo, a democracia em risco, sendo destruída, eu precisando conversar sobre política porque estou muito angustiada, pergunto o que está fazendo, e a resposta é que está limpando sua fonte! Morri! Além da simplicidade voluntária de cuidar de seu mundo de cactos, só falta agora ser seguidora do feng shui!”.

Repeti o que estou lembrando porque as recriminações preconceituosas foram longas e chatas. Respirei. Indaguei se havia terminado. Minha cabeça estava a mil. Como se não bastasse a onda fascista em curso no país, aparece uma amiga babaca com dor de consciência. Que fase!
Sim, dor de consciência, pois se eu, com meus sessenta e tantos anos, comecei a lutar contra a ditadura militar de 1964 ainda nos anos 60, e desde então tenho militância política sempre na esquerda, ela só descobriu a política após os 40 anos. No PT. E sempre foi da articulação, aquela corrente política mais branda, para quem a luta de classes não existia mais. Agora, ela é radicalíssima. Depois de 13 anos na fetichista Brasília, pouca gente quer imaginar morar em outro lugar! O poder tem seus mistérios e encantos. Eu acredito.

“Amada, ‘me erra’! Cuide de sua vida que da minha cuido eu. Aliás, sempre cuidei. Só não entendo por que está implicando com meus cactos, minha fonte e minha opção pela filosofia da simplicidade voluntária”.

E enveredei, colocando na vitrine que ela fazia um discurso antigo e carcomido, típico de uma visão política que não vai além do uso da política para fins eleitoreiros; que estava sendo antidemocrática ao extremo e discursando que está preocupada com o ataque à democracia que estamos vivenciando!

E lacrei: “O que você fez durante tantos anos para que não chegássemos aonde estamos, fora arrotar que a luta de classes havia acabado, só porque o objetivo final de vocês era gerenciar a crise do capitalismo no Brasil?”.

Estou onde sempre estive desde que comecei a fazer política: ao lado do povo, defendendo suas demandas mais prementes por cidadania – por justiça racial/étnica, por justiça de gênero, enfim contra todas as opressões, incluindo a de classe!

“Acha que uma fonte poderia melhorar meu estado de espírito?” Ai, que susto eu tive! “Não estou nem dormindo direito, mesmo tomando calmante”.

“Ah, vai ter de apelar para o feng shui” – cultura milenar chinesa de harmonização de ambientes – e toda a sua teorização sobre a conservação das energias positivas e o redirecionamento das energias negativas, que afirma que as fontes de água corrente têm o poder de neutralizar energias negativas e atrair energias positivas. Se bem não fizer, mal não fará.

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