Baixa execução orçamentária e falta de informação comprometem a saúde das mulheres

A baixa execução orçamentária das ações compromissadas com o financiamento das prioridades do II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, no eixo relativo à Saúde da Mulher, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos não é condizente com o estabelecido pelo II Plano. Afirma-se que as mulheres constituem a maioria da população brasileira e são ainda as principais usuárias do Sistema Único de Saúde – SUS. E, portanto, são um segmento social fundamental para as políticas de saúde. Destaca-se ainda a importância de considerar, na formulação das políticas públicas, variáveis como raça/etnia e situação de pobreza no desenvolvimento, implementação e avaliação de estratégias de intervenção governamental na área de saúde1.

Fonte: CFEMEA

O II PNPM em seu Capítulo 3 – Saúde das Mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos, define três objetivos específicos, 12 metas, dez prioridades e 63 ações, sendo 17 delas não orçamentárias. Entretanto, das 46 ações orçamentárias, 28 são atendidas por uma única ação do Orçamento da União: a 6175 — Implementação de Políticas de Atenção a Saúde da Mulher (que integra o Programa 1312 – Atenção à Saúde de Populações Estratégicas e em Situações Especiais de Agravos). Considerando o período 2008-2010, verifica-se uma tendência de queda nos recursos autorizados e executados nessa ação. Em 2008, foram autorizados R$15,1 milhões, mas executados apenas 10,52% desse montante. Em 2009, cai para 8,7 milhões o montante autorizado e, até agora, apenas 13% desse total foram executados. Para 2010, está previsto um pequeno acréscimo na dotação inicial, que sobe para R$ 9 milhões2.

 

Essa ação 6175 — Implementação de Políticas de Atenção à Saúde da Mulher é responsável pelo financiamento de uma série de prioridades do II PNPM no eixo de Saúde, como elaborar e distribuir diretrizes sobre diversos temas relacionados à saúde da mulher, por manuais técnicos, pela capacitação e qualificação de gestores e profissionais de saúde, pelas ações de educação sexual e auxílio aos serviços de atenção ao aborto legal, apoiar maternidades na humanização da atenção ao parto e nascimento, fazer pesquisas e investigação sobre mortalidade materna e definir plano de enfrentamento da feminização das DST/AIDS. Ademais, é responsável por outras prioridades do PNPM, no eixo de enfrentamento da violência contra as mulheres, como Apoiar técnica e financeiramente a organização de Redes de Atenção Integral para Mulheres e Adolescentes em situação de violência, contemplando serviços de atenção ao abortamento previsto em lei; Definir e implementar mecanismos de monitoramento dos serviços de atendimento ao aborto legal, garantindo o seu cumprimento; e. Implementar as diretrizes, normas técnicas, protocolos e fluxos de atendimento a mulheres em situação de violência sexual e doméstica e vítimas do tráfico de pessoas nos serviços de saúde.

 

O Programa 1312 – Atenção à Saúde de Populações Estratégicas e em Situações Especiais de Agravos (no qual se insere a ação de saúde da mulher) apresenta baixa execução orçamentária até outubro. Empenhou apenas 39% dos R$59,4 milhões autorizados para suas 13 ações. As melhores execuções ficaram com as ações de gestão, publicidade e implantação da política nacional de humanização, que executaram quase a totalidade de suas verbas e as piores execuções orçamentárias ficaram por conta das ações para saúde da população penitenciária (0% empenhado), seguida da atenção à saúde do trabalhador (2,25%), saúde da criança (5,25%) e saúde da mulher (13,47%).

 

Atenção à Saúde da População Negra não tem previsão orçamentária para 2010

 

Merece destaque o fato de o Projeto de Lei Orçamentária para 2010 não prever recursos dentro do programa 1312 – Atenção à Saúde de Populações Estratégicas e em Situações Especiais de Agravos para as ações de Atenção à Saúde da População Negra (2B64) e Implantação de Serviços de Atenção à Saúde da Mulher Vítima de Violência (7I26), ambas previstas no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano que vem.

 

O II PNPM, em sua página 77, afirma que:

 

No período de vigência do I PNPM, foram inseridas ações de atenção à saúde para segmentos da população feminina ainda invisíveis, merecendo destaque ações voltadas para a saúde das mulheres negras, em situação de prisão, indígenas, trabalhadoras rurais e residentes em municípios que estão ao longo ou em área de influência da Rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém) e regiões de construção de usinas hidrelétricas na Bacia do rio Tocantins. e ainda reconhece a maior frequência de diabetes tipo II, miomas, hipertensão arterial e anemia falciforme nessas mulheres, mas a ação 2B64 – Atenção à Saúde da População Negra, que teve verba de R$ 2 milhões em 2007 e empenhou e liquidou 95,72% desses recursos, desde 2008 está sem nenhum recurso previsto no Orçamento Anual.

 

Pela mobilização e proposição de organizações do movimento negro, acolhida por divers@s parlamentares, essa ação orçamentária foi incluída no anexo de metas e prioridades da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2008, 2009 e 2010. Entretanto, num flagrante descumprimento da legislação que rege o Ciclo Orçamentário, o PLOA 2010 não prevê nenhum recurso para o seu desenvolvimento.

Consta do Orçamento Mulher (monitorado pelo CFEMEA), mas não do II PNPM, a ação 8215 – Atenção à Saúde das Populações Quilombolas, do programa 1336 – BRASIL QUILOMBOLA, que em 2009 empenhou a totalidade dos recursos autorizados para o seu desenvolvimento, no montante de R$1.099.371,00.

 

Falta informação sobre os recursos investidos para a redução da mortalidade materna

 

No site do Ministério da Saúde, a sessão Cidadão/ Ações e Programas diz: “Neste espaço, o usuário tem acesso aos principais programas e projetos desenvolvidos recentemente pelo ministério e fica sabendo como o dinheiro público está sendo investido na promoção da saúde e na qualidade de vida do brasileiro”, mas a única informação específica sobre a mulher está no Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama – Viva Mulher, de responsabilidade do Instituto do Câncer, que também não traz dados da execução orçamentária e financeira.

 

A forma como são concebidas e desenvolvidas as ações do Ministério da Saúde inviabilizam, em grande medida, o monitoramento dos seus compromissos com o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.

 

O II PNPM, ao analisar os motivos da mortalidade das mulheres, chama a atenção para o fato das mulheres morrerem de causas evitáveis3. Se os serviços públicos de saúde funcionassem eficientemente e se as políticas públicas e os pactos nacionais de saúde fossem cumpridos, as mulheres não estariam morrendo por gravidez, parto ou aborto. O índice de mortalidade materna, que vinha caindo até 2005 (74,6 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivo), voltou a subir em 2006 para 77,2/100mil, valores corrigidos4, apesar da meta estabelecida pelo II PNPM ser de reduzir em 15% a razão de mortalidade materna, entre 2008-2011. Está em vigor o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna, considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como modelo de mobilização e diálogo social para a promoção dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O Pacto que teve a adesão de todos os 27 estados com a elaboração de planos estaduais, ampla participação de gestores e sociedade civil e o funcionamento de muitos comitês de morte materna nas diferentes esferas do SUS: 27 Estaduais, 171 comitês regionais, 748 comitês municipais e 206 comitês hospitalares, conforme informações do Ministério da Saúde. Entretanto, é impossível saber como os recursos do Orçamento da União estão (ou não) sendo investidos para enfrentar o problema da mortalidade materna e o que isso tem a ver com o aumento dos índices de mortalidade materna em 2006.

 

Vejamos o exemplo da ação 8585 – ATENÇÃO À SAÚDE DA POPULAÇÃO PARA PROCEDIMENTOS EM MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE, que neste ano teve autorizada a quantia de R$23.062.975.000,00. Essa ação do Programa 1220 – ATENÇÃO HOSPITALAR E AMBULATORIAL NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, aparece no II PNPM apenas nos capítulos 3 e 4, nas ações 3.3.3. Ampliar a quantidade de laqueaduras e vasectomias realizadas. E ação 4.4.1. Ampliar a oferta da contracepção de emergência nos serviços de referência e nos municípios que recebem o kit básico dos métodos anticoncepcionais. Entretanto, através do SIAFI não se tem informações desagregadas para fazer uma apropriação mais real do gasto com as políticas governamentais voltadas para as mulheres.

 

Problema semelhante se verifica em relação a outras ações previstas no capítulo 3 do II PNPM que têm correspondência com o Programa 1293 – Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos (3.3.2 – ampliar a distribuição de contraceptivos pela rede do programa Farmácia Popular) e suas Ação 7660 – Implantação de Farmácias Populares (R$7 milhões) e Ação 4368 – Promoção da Assistência Farmacêutica e Insumos para Programas de Saúde Estratégicos (R$143 milhões). As informações que acessamos no SIAFI – Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal não nos permitem discernir os gastos em assistência farmacêutica para a saúde das mulheres.

 

Os recursos previstos pelo II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres para financiar ações dos municípios e estados visando alcançar as metas definidas estão alocados em ações sob a responsabilidade do Ministério da Saúde, Ministério do Meio Ambiente, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e FUNAI.

 

O compromisso do Ministério da Saúde em relação ao financiamento do II PNPM no período de 2008 a 2011 prevê a alocação de um total de R$383,1 milhões para avançar em relação aos objetivos e alcançar as metas estabelecidas. Mas sem acesso a informações específicas, não podemos entender essa diferença nos valores divulgados no II PNPM que estima em R$383.1 milhões para o período de 2008 a 2011 e os sistemas oficiais divulgam, para o atendimento das ações orçamentárias especificadas no capítulo 3 do Plano, o valor autorizado de R$ 25, 778 bilhões, apenas na lei orçamentária do ano de 2009.

 

Orçamento Mulher no portal Siga Brasil

 

No Portal SIGABRASIL você encontra informação atualizada sobre o monitoramento do Orçamento Mulher e, especificamente, sobre a execução orçamentária de todas as ações do Orçamento Anual da União que estão compromissadas com o financiamento do II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.

http://www9.senado.gov.br/portal/page/portal/orcamento_senado/PS_ORCMULHER/Execucao.

Veja aqui os objetivos, as metas e as prioridades:

 

Capítulo 3 do II PNPM – Saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos

 

Objetivo Geral

 

1.      Promover a melhoria das condições de vida e saúde das mulheres, em todas as fases do seu ciclo vital, mediante a garantia de direitos legalmente constituídos, e a ampliação do acesso aos meios e serviços de promoção, prevenção, assistência e recuperação da saúde integral em todo o território brasileiro, sem discriminação de qualquer espécie e resguardando-se as identidades e especificidades de gênero, raça/etnia, geração e orientação sexual.

Objetivos Específicos

1.      Garantir os direitos sexuais e direitos reprodutivos das mulheres em todas as fases do seu ciclo de vida e nos diversos grupos populacionais, sem discriminação de qualquer espécie;

2.      Contribuir para a redução da morbidade e mortalidade feminina no Brasil,

3.      especialmente por causas evitáveis, em todas as fases do seu ciclo de vida e nos diversos grupos populacionais, sem discriminação de qualquer espécie;

4.      Ampliar, qualificar e humanizar a atenção integral à saúde da mulher no Sistema Único de Saúde.

Prioridades

  • Promover a atenção à saúde das mulheres no climatério;
  • Estimular a organização da atenção às mulheres, jovens e adolescentes com queixas ginecológicas;
  • Estimular a implantação e implementação da assistência em planejamento familiar, para homens e mulheres, adultos, jovens e adolescentes, no âmbito da atenção integral à saúde, respeitando os princípios dos direitos sexuais e reprodutivos;
  • Promover a assistência obstétrica qualificada e humanizada, especialmente entre as mulheres negras e indígenas, incluindo a atenção ao abortamento inseguro, de forma a reduzir a morbimortalidade materna;
  • Promover a prevenção e o controle das doenças sexualmente transmissíveis e da infecção pelo HIV/AIDS na população feminina;
  • Reduzir a morbimortalidade por câncer cérvico-uterino e a mortalidade por câncer de mamas na população feminina;
  • Promover a implantação de um modelo de atenção à saúde mental das mulheres na perspectiva de gênero, considerando as especificidades étnicorraciais;
  • Estimular a implantação da Atenção Integral à Saúde das Mulheres, por meio do enfrentamento das discriminações e do atendimento às especificidades étnicorraciais, geracionais, regionais, de orientação sexual, e das mulheres com deficiência, do campo e da floresta e em situação de rua;
  • Fortalecer a participação e mobilização social em defesa da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher;
  • Propor alterações de legislação com a finalidade de ampliar a garantia do direito à saúde, contemplando os direitos sexuais e direitos reprodutivos das mulheres e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde.

Metas

  • Reduzir em 15% a razão de mortalidade materna, entre 2008 e 2011;
  • Garantir a oferta de métodos anticoncepcionais reversíveis para 100% da população feminina usuária do SUS;
  • Disponibilizar métodos anticoncepcionais em 100% dos serviços de saúde;
  • Qualificar 100% dos pólos básicos para atenção integral à saúde da mulher indígena;
  • Aumentar em 60% o número de exames citopatológicos na população feminina de 25 a 59 anos, entre 2008 e 2011;
  • Aumentar em 15% o número de mamografias na população feminina, entre 2008 e 2011;
  • Promover a adesão dos 27 estados brasileiros ao Plano de Enfrentamento da Feminização das DST/AIDS;
  • Formar quatro referências técnicas, por estado, em atenção às mulheres no climatério;
  • Sensibilizar cinco referências técnicas, por estado, em atenção às queixas ginecológicas de mulheres e adolescentes;
  • Implementar 14 centros de referência para assistência à infertilidade;
  • Apoiar a organização de um centro colaborador por região para humanização da atenção ao parto, ao abortamento e às urgências e emergências obstétricas;
  • Implantar cinco experiências-piloto, uma por região, de um modelo de atenção à saúde mental das mulheres na perspectiva de gênero.

(1) II PNPM, Brasília, 2008 pag. 71.

(2) O próprio programa 1312 Atenção à saúde de populações estratégicas e em situações especiais de agravos, também mudou de nome, passando para Promoção da capacidade resolutiva e da humanização na atenção à saúde, mas continua com as mesmas ações atuais, apenas com nomes diferentes em duas delas: na ação 6175 e na ação 6233 de saúde mental, também acrescentou o IMPLANTAÇÃO. A ação 6175, no PLOA 2010 vai ter nova denominação: Implantação e implementação de políticas de atenção integral à saúde da mulher em contraponto ao nome atual de 6175 – Implementação de políticas de atenção à saúde da mulher.

(3) II PNPM, Brasília, 2008 pag.72: “(…) a gravidez não se refere a um estado de doença (…) e em 92% dos casos a morte materna é evitável.”

(4) http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2008/C03b.htm

Matéria original

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