Biomédica negra denuncia racismo estrutural em hotel de luxo em SP: ‘Duvidaram que eu poderia ser uma doutora’

'O racismo não é verbalizado. Foram caras e bocas, julgamentos, expressões faciais'. Em nota publicada nas redes sociais, a Rede Bristol Hotéis disse que 'compreende a gravidade de qualquer ato de discriminação', que está apurando os fatos e irá colaborar com a hóspede e as autoridades.

FONTEPor Gustavo Honório, do g1
Biomédica Lih Vitória relata racismo em rede de hotéis na Grande SP (Foto: Arquivo pessoal; e Reprodução/Google Street View)

A biomédica Lih Vitória, de 30 anos, relatou ter sofrido racismo em um hotel de luxo na cidade de Santo André, ABC Paulista, na última quinta-feira (22).

Hospedada a trabalho em uma unidade da Rede Bristol, Lih contou que, ao tentar realizar check-out do hotel pela manhã, foi questionada por diversas vezes sobre os seguintes pontos:

  • A veracidade do e-mail de reserva enviada pela empresa em que ela trabalha;
  • Se realmente ela fazia parte da empresa.

“O racismo não é verbalizado. Foram caras e bocas, julgamentos, expressões faciais o tempo todo. E eu só queria sair. Eu viajo com meus amigos e nunca tive problema, porque estou sempre com uma pessoa branca. Agora, que comecei a andar sozinha, estou sentindo”, contou ela ao g1.

Segundo Lih, a recepcionista só faria a liberação após conseguir contato com a dona da empresa. “Ela entrou em uma sala e saiu acompanhada de mais duas pessoas, que ficaram me observando”, afirmou.

Ela disse que a atendente ainda pediu para conferir o e-mail em seu celular e, mesmo assim, não finalizou o procedimento.

“Me senti mal, não sei explicar, foi muita coisa. Me olharam de cima a baixo, me trataram extremamente mal, doeu muito. Depois, tinha uma menina branca e eles trataram com sorriso no rosto”.

Em nota publicada nas redes sociais, a Rede Bristol disse que “compreende a gravidade de qualquer ato de discriminação”, que está apurando os fatos e que irá colaborar com a hóspede e com as autoridades. (leia a íntegra abaixo)

“Eu sou preta, sou pequena, eles duvidaram que eu poderia ser uma doutora. Eu não aguento mais, não foi a primeira vez, mas ontem me senti extremamente coagida. Eram três pessoas que não me deixavam sair”, contou.

Após a série de questionamentos, Lih disse que deixou a comanda do hotel e saiu do prédio sem finalizar o check-out.

E-mail da empresa com a solicitação de reserva (Foto: Arquivo pessoal)

A biomédica registrou boletim de ocorrência por racismo já na quinta-feira (22) e disse que a advogada da empresa processará o hotel nas esferas criminal e cível.

Trajetória científica

Lih Vitória se especializou em genética e cannabis medicinal (Foto: Arquivo pessoal)

Lih se interessou pela ciência ainda criança, nas aulas de biologia. Depois do ensino médio, estava na dúvida entre Medicina, Engenharia Química e Biomedicina: “Sempre ajudei os professores. Sabia que queria ciência habilitada em genética”.

Escolheu Biomedicina e iniciou no mundo das pesquisas com uma iniciação científica em biologia celular e molecular em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein. Após nove anos de pesquisas na área da genética, um problema de saúde mudou os rumos de sua vida e carreira.

Diagnosticada com neuropatia periférica — doença que afeta os neurônios que formam nervos e periféricos e provoca sintomas como fraqueza e atrofia muscular —, Lih ficou 2 anos sem andar e voltou a ter qualidade de vida após ser tratada com cannabis medicinal. “A maconha me salvou em todos os sentidos”, afirmou.

“Levo ciência para todos os lugares e também trabalho com política. Sou da luta antirracista, antiproibicionista e estou dentro dessa democratização de fato: traduzir a ciência para uma linguagem que todo mundo entenda”.

Atualmente, ela é doutoranda em Cannabis Medicinal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora de pesquisa e sócia da farmacêutica Medra, onde gerencia a parte de integração canábica da empresa, colocando em contato médicos e pacientes.

Na noite de quarta-feira, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou um projeto de lei que garante o fornecimento de medicamentos à base da cannabis no SUS no estado.

O que diz a Rede Bristol de hotéis

Nós, da Rede Bristol Hotéis & Resorts, compreendemos a gravidade de qualquer ato de discriminação, sobretudo racismo. Carregamos, dentre os nossos valores, a empatia — essencial para acolher de forma humana todas as pessoas que venham a se hospedar conosco — a qual também transmitimos e exigimos dos nossos colaboradores.

Depois de tomar conhecimento da acusação de racismo em uma de nossas unidades, estamos apurando todos os fatos internamente e nos colocamos à disposição para colaborar com a hóspede e com as autoridades a esse respeito.

Reforçamos aqui nosso compromisso com a manutenção de um ambiente seguro e acolhedor para todos os nossos clientes e colaboradores e garantimos que tomaremos todas as medidas cabíveis”.

Nota da Rede Bristol sobre a denúncia de racismo (Foto: Reprodução/Instagram)
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