Brasil é responsável por não investigar tortura e assassinato de Vladimir Herzog

Corte Interamericana responsabiliza o país pela morte do jornalista no DOI-Codi, em 1975. O Brasil precisa investigar crimes da ditadura, reitera filho de Vlado

Do Rede Brasil Atual 

Herzog, com Clarice e Ivo: vítimas de crime de Estado. Na Sé, culto ecumênico histórico desafiou o regime assassino (INSTITUO VLADIMIR HERZOG E ACERVO EM)

São Paulo – O Estado brasileiro é responsável por não investigar os episódios que levaram a prisão política, tortura e assassinato – considerados crimes contra a humanidade – do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado. Diretor de Jornalismo da TV Cultura, de São Paulo, ele foi encontrado morto em 25 de outubro de 1975 nas dependências do DOI-Codi, no local onde hoje funciona uma delegacia policial.

A decisão foi anunciada nesta quarta-feira (4) pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). O tribunal intercontinental sentenciou ainda o Estado pela violação dos direitos dos familiares do jornalista de conhecer a verdade e de omitir-se quanto a assegurar sua integridade pessoal.

O documento da CIDH assinala que já era fato conhecido dos órgão competentes do Estado brasileiro a operação que levou Herzog à prisão e a interrogatórios sob tortura até que fosse assassinado. Menciona também o ambiente de perseguição que marcou o período da ditadura civil-militar, classificando-o como “um contexto de ataques sistemáticos e generalizados contra civis considerados opositores”.

Corte lembra que o II Comando do Exército mentiu, divulgando em “versão oficial dos fatos” que Herzog cometeu suicídio. A Justiça Militar também mentiu, ao confirmar a versão após “investigação”. Em 1992, as autoridades brasileiras iniciaram uma nova investigação, mas esta foi arquivada a pretexto de cumprir a Lei de Anistia, que valeria para opositores e apoiadores do regime. A lei, no entanto, não poderia proteger autores de crimes contra a humanidade, que são também imprescritíveis.

Relatório da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos apresentado 25 anos depois, em 2007, voltou a provocar o Ministério Público Federal a, finalmente, proceder investigações. O pedido voltou a ser arquivado pela Justiça brasileira, ratificando o argumento de 1992, com com base na Lei de Anistia, e alegando ausência de tipificação dos crimes contra a humanidade e, portanto, uma suposta prescrição dos crimes.

Com a abertura do processo perante a Corte Interamericana, o governo do Brasil reconheceu a conduta arbitrária do Estado – a prisão, a tortura e a morte de Vladimir Herzog – e os traumas decorrente desses crimes à família do jornalista. A CIDH reiterou a existência de crime contra a humanidade, de acordo com a definição dada pelo Direito Internacional. O Estado, portanto, não poderia alegar ou Lei de Anistia para justificar sua omissão no dever de investigar e punir os responsáveis.

Responsável pelo instituto que leva o nome do pai, Ivo Herzog escreveu um texto emocionado sobre a decisão. “Há 43 anos eu perdi meu pai. Assassinado violentamente. Uma pessoa de paz, que gostava de pescar, fotografar a família, de astronomia. Eu tinha 9 anos, meu irmão 7 e minha mãe 34. Ele morreu por desejar que todos tivessem o direito à livre manifestação em um Estado democrático. Pude conhecê-lo pouco. Ficaram 43 anos de luta para que provássemos que ele foi barbaramente torturado e assassinado. Ficou a luta, capitaneada por Clarice Herzog, pela Verdade e pela Justiça”, afirmou.

Não encontramos esta resposta no país que meu pai adotou como pátria. Tivemos que buscar nas Cortes Internacionais. Finalmente, hoje, saiu a sentença tão aguardada. Resultado de um processo doloroso que consumiu nossa família. O Brasil TEM que investigar os crimes da Ditadura. O Brasil precisa ter, como política de Estado, a Verdade e a Justiça, se queremos ter um país melhor, menos violento, justo”, disse ainda Ivo, agradecendo pelo empenho do Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil) no processo. 

Termino agradecendo um lutadora implacável: minha mãe que dedicou TODA sua vida para que a verdade sobre a morte do pai de seus filhos viesse à tona. E que a justiça fosse feita. Obrigado mãe.”

Confira a íntegra do comunicado da CIDH:

A Corte Interamericana concluiu que, devido à falta de investigação, bem como de julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog, cometidos em um contexto de ataques sistemáticos e generalizados contra civis, o Brasil violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial de Zora, Clarice, André e Ivo Herzog, estabelecidos nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, em relação com a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.

Além disso, a Corte concluiu que o Brasil não cumpriu sua obrigação de adaptar sua legislação interna à Convenção, em virtude da aplicação da Lei da Anistia e de outras causas de exclusão de responsabilidade proibidas pelo Direito Internacional, descumprindo assim o artigo 2 da Convenção Americana.

Além disso, a Corte Interamericana concluiu que, embora o Brasil tenha empreendido diversos esforços para realizar o direito à verdade da família do Sr. Herzog e da sociedade em geral, a falta de esclarecimento judicial, a ausência de punições individuais em relação à tortura e ao assassinato de Vladimir Herzog, e a recusa em apresentar informações e fornecer acesso aos arquivos militares da época dos fatos violaram o direito de conhecer a verdade em detrimento de Zora, Clarice, André e Ivo Herzog, estabelecido nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana.

Em virtude dessas violações de direitos humanos, a Corte ordenou várias medidas de reparação, incluindo aquelas destinadas a reiniciar, com a devida diligência, a investigação e o processo penal relativos aos eventos ocorridos em 25 de outubro de 1975, para identificar, processar e, se for o caso, punir os responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog. A Corte também determinou que o Estado brasileiro deve adotar as medidas mais apropriadas, de acordo com suas instituições, para que se reconheça, sem exceções, a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e dos crimes internacionais.

 Veja Também:

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS CASO HERZOG E OUTROS VS. BRASIL

 

+ sobre o tema

Que escriba sou eu?

Tenho uma amiga que afirma que a gente só prova...

Oxfam: Brasil é um caso de sucesso na redução da desigualdade

Sugerido por robson_lopes Trechos dos artigos: Felizmente, a...

Vox/Band/iG: Dilma cai de 56% para 54%

Candidata petista varia para baixo pela primeira vez dentro...

para lembrar

Cidade Maravilhosa, Cidade Militarizada

UM EFETIVO DE cerca de 85 mil — entre eles Força...

O Brasil pelos olhos de nove crianças refugiadas que vivem em São Paulo

Quando viviam em seus países - Haiti, Síria, Arábia...

Do Carandiru a Manaus, Brasil lota presídios para combater tráfico sem sucesso

Política de encarceramento em massa decorrente da guerra às...

ONU nomeia atriz Kenia Maria como defensora dos direitos das mulheres negras no Brasil

No Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, lembrado...
spot_imgspot_img

Ministério da Igualdade Racial lidera ações do governo brasileiro no Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU

Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, está na 3a sessão do Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU em Genebra, na Suíça, com três principais missões: avançar nos debates...

Geledés – Instituto da Mulher Negra abre novas turmas do Curso de Multimídia online e para todo Brasil 

O projeto de comunicação do Geledés – Instituto da Mulher Negra está abrindo novas turmas de formação em multimídia em parceria com o Zoom...

Conselho de direitos humanos aciona ONU por aumento de movimentos neonazistas no Brasil

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, acionou a ONU (Organização das Nações Unidas) para fazer um alerta...
-+=