Cabelos crespos ganham protagonismo em projeto fotográfico que combate racismo

Responder às palavras racistas com a beleza do cabelo crespo. Essa foi a forma que o jovem Ronald Santos encontrou para afirmar a negritude pelas lentes fotográficas. Ronald nasceu e cresceu na Cidade do Recife, tentando a carreira de modelo, mas afirma que em todos os processos recebeu sempre a mesma resposta, de que ele “não estava no padrão de beleza” que a agência procurava.

Por Mosaico Cultural, Do Brasil de Fato

Foto em preto e branco de três mulheres negras com cabelos distintos- a primeira usa tranças, a segunda black e a terceira tem o cabelo bem curto - sentadas sorrindo
Ensaios são feitos em locais da Cidade do Recife (PE) (Foto: Crespografia)

O tempo passou e o plano de afirmar a estética da negritude ganhou novos ares. Em 2016, ao cursar uma cadeira de fotografia na faculdade, Ronald encontrou um novo caminho para seus sonhos. O fotógrafo se reuniu com amigas da comunidade do Coque, localizada na área central do Recife, para fazer ensaios fotográficos. É daí que nasceu o Crespografia, que é junção das palavras “crespo” e fotografia”.

Ensaios valorizam negritude e adentram contramão do racismo

“O intuito maior do Crespografia é fortalecer toda a negritude, principalmente daqui de Pernambuco e do Recife, onde muitas vezes fomos silenciados por termos o cabelo crespo e cacheado, e principalmente por ter a pele negra, e mostrar a população, as pessoas, a sociedade que estamos lutando apenas para ser quem queremos ser de verdade, porque é muito ruim viver atrás de uma máscara que a sociedade traz para a gente e que a gente tem que botar assim que a gente nasce até o final”, explica Ronald.

Seja na frente ou atrás das lentes. As pessoas que participam do Crespografia também desenvolvem a habilidade de manusear as câmeras. A experiência começou com sete pessoas na primeira sessão e pulou para 32 na segunda. Já a terceira sessão do Crespografia pipocou para 300 pessoas. Além disso, há ensaios compartilhados em perfil da rede social Instagram, na proposta de fortalecer o sentimento de coletividade e intervenção no imaginário da questão racial.

“Porque você está vendo que seus semelhantes estão iguais a você e, ao mesmo tempo, é saber que não é apenas dentro do projeto [Crespografia], porque vai ter pessoas de fora vendo as fotos do projeto que vão se sentir identificadas e vão dizer ‘caramba, se o Crespografia pode, se fulano e cicrano que estão no Crespografia pode fazer isso, deixar o cabelo natural, assumir suas origens e suas características, eu também posso. Então a autoestima não apenas pessoal, mas um efeito de grupo”, ressalta o idealizador do Crespografia.

A gente faz trança raiz, trança nagô, trança boxeadora, a gente faz tanta coisa. Mas o nosso cabelo em si é só um cabelo. É apenas um cabelo normal.

Daniela Almeida está no Crespografia e também compartilha os sentimentos, pessoais e coletivos, de superação das várias formas de racismo. Ela é modelo e estudante de contabilidade. Dani, como é mais conhecida, ressalta que, para além da muitas formas de utilização do crespo, é preciso valorizar a beleza natural.

Foto em preto e branco de três mulheres negras de cabelo crespo, sentadas em meio a mata
Projeto está influenciando comunidade do Recife (Foto: Crespografia)

“Então não tem um estilo próprio. A gente faz penteado, coloca bobs e várias outras coisas. A gente faz trança raiz, trança nagô, trança boxeadora, a gente faz tanta coisa. Mas o nosso cabelo em si é só um cabelo. É apenas um cabelo normal. É um cabelo que cresce, que é lavado, hidratado, penteado, cuidado, que é cheio de amor, inclusive. É um cabelo que a gente aprendeu a amar, não nasceu amando”.

Tanto Dani quanto Ronald relatam o sentimento de uma sociedade que impõe os padrões de uma beleza que não inclui o crespo. Isso trazendo lembranças de estímulo a modificações estéticas como alisamento e chapinha, por exemplo. Ambos encontram no Crespografia uma experiência que fortalece a luta de quem deseja ser como é. Ao mesmo tempo de reconhecer as conquistas, quem está no Crespografia sabe que muitos passos ainda precisam ser dados.

“Eu vejo isso em muita criança ainda hoje, muita menina que tem o cabelo crespo e ainda não aceita o cabelo que tem, que não acha o cabelo que tem bonito. E por mais que a gente veja que está ficando uma coisa que todo mundo quer, que está colocando na cabeça, mas é o cabelo cacheado que as pessoas querem, não é o crespo em si. Então a gente precisa colocar na cabeça das nossas crianças, meninas e meninos, que o cabelo crespo é um cabelo bonito também, que é normal, que podemos usar como quiser e deve se achar linda. E que pode fazer tudo que uma pessoa de cabelo liso ou cacheado faz, que é mudar, pintar”.

Que tal conferir os ensaios do Crespografia? Para quem desejar, o caminho é acessar a rede social Instagram e procurar o perfil Crespografia.

+ sobre o tema

Como resguardar as meninas da violência sexual dentro de casa?

Familiares que deveriam cuidar da integridade física e moral...

Bruna da Silva Valim é primeira negra a representar SC no Miss Universo Brasil

Bruna da Silva Valim, candidata de Otacílio Costa, foi...

Luiza Bairros lança programas de combate ao racismo na Bahia

O Hino Nacional cantado na voz negra, marcante, de...

Elizandra Souza celebra 20 anos de carreira em livro bilíngue que conta a própria trajetória

Comemorando os 20 anos de carreira, a escritora Elizandra...

para lembrar

Dona Zica Assis responde ao artigo: “Respeite nosso cabelo crespo”

Carta de Zica Assis - Beleza Natural   Oi Ana Carolina, Meu...

Menos de 3% entre docentes da pós-graduação, doutoras negras desafiam racismo na academia

A Gênero e Número ouviu mulheres negras presentes no...

Rita Bosaho é a primeira mulher negra eleita deputada em Espanha

O resultado das recentes eleições é histórico também porque...

Rosana Paulino: ‘Arte negra não é moda, não é onda. É o Brasil’

Com exposição em cartaz no Museu de Arte do...
spot_imgspot_img

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...
-+=