Candidatas negras a vereadoras discutem propostas em Geledés

Organização realizou debate suprapartidário em sua sede para explanar pautas de interesse da população negra, principalmente em relação ao combate ao racismo e ao sexismo

FONTEKatia Mello - katiamello@geledes.org.br

Geledés- Instituto da Mulher Negra realizou neste sábado 27 o primeiro encontro “Diálogos e Debates” para discutir as propostas das candidatas vereadoras negras nas eleições municipais que acontecem no próximo domingo, 6. Estiveram presentes na sede da organização, em São Paulo, as candidatas Neon Cunha (PSOL-SP), Dalila Rita Brito (PSOL-Franco da Rocha), Simone Nascimento (PSOL-SP), Elaine Mineiro do Quilombo Periférico (PSOL-SP), Jussara Basso (PSB- SP) e King Abraba (PT-Itapecerica da Serra).

A presidenta de Geledés, Antonia Quintão, deu boas-vindas às candidatas, ressaltando que o “evento é suprapartidário, com pautas que convergem com a história de luta e resistência” da organização. A coordenadora de Geledés, Maria Sylvia de Oliveira, mediadora do debate, indicou que este primeiro encontro poderá acontecer a cada dois anos, nas prévias de eleições municipais. Houve uma grande diversidade de temáticas na discussão que foram da Educação, Cultura, Saúde ao Patrimônio cultural dos municípios, sempre com a interseccionalidade de raça e gênero.

candidatura de neon cunha
Candidata Neon Cunha

A candidata Neon Cunha foi a primeira a responder sobre Educação, classificando-se com uma montessoriana, ao se referir à metodologia pedagógica criada pela médica italiana Maria Montessori. Neon ressaltou a relevância das discussões sobre sexualidade com meninas nos espaços de cultura nas periferias que, segundo ela, “estão fazendo o papel do Estado em sua ausência”. Relembrou também o trabalho da vereadora Marielle Franco sobre as demandas de adolescentes não binários. “Essas meninas muito jovens LGBTQI+ nos dizem que não têm seus espaços respeitados”, afirmou ela.

Candidata Jussara Basso

Jussara Basso reforçou a necessidade de execução da Lei Federal 10639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Mencionou a perseguição de uma diretora de uma escola em São Paulo ao cumprir essa agenda e a necessidade de a “Educação ser uma área livre de qualquer debate político que infelizmente a sucateia”. Anunciou ainda que na cidade de São Paulo 712 escolas precisam ser reformadas ou construídas.

Candidata Dalila Brito

Já a candidata Dalila Brito, de Franco da Rocha, relatou a ausência de dados em seu município sobre as denúncias feitas por mães de meninas e meninos relacionadas ao racismo e às violências contra as pessoas LGBTQI+ no ambiente escolar. “A questão (da falta de dados) foi para a conferência municipal da juventude. A gente precisaria de um mapeamento da infância e juventude um pouco mais assertivo para que chegássemos às políticas (públicas) de forma afirmativa”, disse ela.

Candidata Simone Nascimento

Simone Nascimento pontou sobre o desmonte da Educação no país após o governo Temer. “É fundamental que a gente volte a debater e levantar a pauta da educação pública em todos os níveis”. Segundo ela, em São Paulo, existe a possibilidade de se enfrentar “o projeto neoliberal da educação”, que está sendo colocado pelo governo do Estado, “que quer privatizar escolas e cortar bilhões da educação pública e entregar para iniciativas de escolas privadas, mas não com a qualidade das escolas privadas da elite”. Simone também defendeu o ensino integral em todas escolas públicas e a ampliação dos CEUs para a profissionalização de jovens.

Candidata Elaine Mineiro do Quilombo Periférico

O currículo antirracista em São Paulo foi a abordagem de Elaine Mineiro do Quilombo Periférico, que, de acordo com ela, não é aplicado nos municípios, com a falta de formação de educadores. Para Elaine, existe “uma grande estrutura racista dentro das diretorias de ensino, que costumam limitar esse currículo a datas comemorativas, a eventos ou matérias específicas como cultura, história e não a transferência do que é importante dentro do currículo municipal”. A candidata também afirmou que, pela primeira vez, “a gente aprovou na cidade de São Paulo, na Lei Orçamentária Anual, um orçamento específico para a formação antirracista, mas que esse é um orçamento ainda em disputa”.

Candidata King Abraba

King Abraba falou sobre a importância de a educação alcançar a juventude das periferias e, neste cenário, destacou o papel da arte. Como “artista preta periférica, pude sair da minha quebrada e ir para um outro país, conhecer uma outra cultura”, disse ela. E sublinhou a intenção de trazer cursinhos populares para Itapecerica da Serra, onde, segundo ela, existe apenas um.

Na temática sobre o enfrentamento à extrema-direita, a candidata Dalila de Franco da Rocha afirmou que se tornou uma candidata de forma independente diante dos acordos feitos em sua cidade com a presença da extrema direita nas candidaturas. “Isso já determina uma narrativa de poder contra tudo isso, contra esse desmonte. Somos respeitados nas ruas por essa firmeza”, afirmou.

A candidata Neon Cunha ressaltou a relevância de organizações como Geledés no enfrentamento ao extremismo da direita e citou uma frase da coordenadora e filósofa Sueli Carneiro para se expressar. “Sueli diz que ninguém duvide, não é bem isso, mas o racista, eu colocaria o fascista, o cistecista, o misógino, ser alguém que se qualifica para fazer confundir direitos básicos com privilégio. Isso inclusive está no campo da esquerda.”

Em sua análise, Jussara Basso afirmou que “precisamos entender onde falhamos”, ao ser referir à esquerda. “O sentimento apolítico que trouxe esses diversos fenômenos, que hoje coloca Pablo Marçal como um dos prováveis futuros prefeitos da nossa cidade, é reflexo disso. Até onde temos discutido com as pessoas que não querem discutir política sobre política? Até onde temos alcançado nossas mulheres, nossos jovens, o povo da periferia com essa discussão?”, indaga ela. E complementou: “Precisamos retomar o formato que fizemos décadas atrás, saindo, entrando nas comunidades, discutindo no boteco, discutindo na viela, discutindo no meio da rua, discutindo no terreno, discutindo na igreja, discutindo em todos os lugares e falando sobre o que precisamos muito avançar nesse debate político para dentro das nossas comunidades”.

Dalila Rita Brito afirmou que as secretarias do município de Franco da Rocha estão formalizadas em suas cadeiras por famílias mandatárias, principalmente de políticos. “Então isso retira da gente de forma sistêmica uma força. Ter uma Secretaria de Igualdade Racial seria extremamente importante para estar fazendo tanto a fiscalização de outras secretarias, formalizando e estruturando todas as questões raciais e da mulher, das juventudes negras”, disse ela.

Ao abordar o patrimônio cultural, a candidata Simone afirmou que apoia o Movimento Saracura Vai-Vai, em São Paulo. “Como todos sabem, é uma luta por resistência no território, contra a expulsão da população negra do Bixiga, o enfrentamento que é construído para uma política de transporte público e contra as empresas privadas, e também a luta pelo resgate histórico da história negra do quilombo Saracura”.

Sobre o movimento Saracura, Elaine afirmou que “as famílias negras foram para os territórios periféricos e os territórios periféricos têm muito pouco ou quase nada de patrimônio material ou imaterial respeitado na cidade de São Paulo”.

King sublinhou a inexistência de patrimônios históricos em Itapecerica da Serra que valorizem as culturas de indígenas e da população negra. “Não tem nenhum museu que traga o quanto os povos originários e os pretos contribuíram para aquela cidade existir. Então, (é preciso) trazer esse resgate histórico a partir dos griots”, disse ela.

Na abordagem sobre saúde da população negra, a candidata Elaine mencionou como bom exemplo a Casa Ser, na Cidade Tiradentes, único centro dedicado exclusivamente à saúde sexual e reprodutiva em São Paulo. Segundo ela, a casa “tem uma atenção especial à saúde de mulheres negras e à população trans”.

Já Jussara afirmou que “precisamos construir um mecanismo de participação social e de participação de saúde pública em São Paulo. Hoje, nós temos todos os conselhos de saúde instrumentalizados pela extrema direita. Isso também fez com que nós perdêssemos muito a qualidade deste atendimento”. Disse também que em São Paulo há “um déficit imenso de unidades e básicas de saúde que precisam ser construídas. A atenção básica da saúde não consegue dar conta dos 12 milhões de habitantes dessa cidade”. Ela também citou a violência obstétrica contra a mulher negra, que segundo ela, por vezes “acaba perdendo a criança no momento do parto porque passou do horário da criança nascer”.

A candidata Simone indicou que a área da saúde municipal de São Paulo tem sido cerceada pela direita. “O neoliberalismo tem atacado frontalmente as nossas reformas populares, inclusive os SUS, que estavam no patamar de avançar nas especialidades. Inclusive, o movimento negro brilhantemente tem pautando o programa da saúde para a população negra, com avanços, por exemplo, nos exames de anemia falciforme”, disse ela.

Em termos de política ao enfrentamento à violência política, Simone mencionou o Grupo de Palmares em Porto Alegre, que idealizou o 20 de novembro, há 50 anos, como um exemplo de resistência a ser expandido nacionalmente. “Eu sonho com que a gente possa ter a bancada negra na cidade de São Paulo com parlamentares negros”, disse ela. Elaine complementou dizendo que “as mulheres negras estão abandonadas no parlamento”.

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