Cantora baiana Xênia França se destaca com lançamento do primeiro CD solo

No material, a artista reafirma a força e o poder da cultura negra

Créditos: TOMAS ARTUZZI/Divulgação. Cantora Xênia França

Por  Alexandre de Paula Do Correio Braziliense

“Música preta, sou teu instrumento, vim pra te servir”, canta a baiana Xênia França, em Preta Yayá, uma das faixas de Xenia, primeiro disco solo da artista. Participante da banda Aláfia, Xênia se lança agora sozinha num trabalho que se tornou destaque na maioria das listas de melhores álbuns do ano.

 Como sugerem os versos de Petra Yayá, a voz da cantora carrega a mensagem da luta por afirmação dentro de uma sociedade racista e desigual. Com sonoridade sofisticada (que incorpora elementos da música afro de várias regiões), o disco é um manifesto da força da cultura negra.

Representatividade, invisibilidade e outros problemas são temas para as reflexões da cantora no álbum e fora dele. Articulada e segura, Xênia aponta o dedo, em entrevista ao Correio, para questões latentes ainda hoje. “O racismo ensinou pra gente que nós não somos bonitas, que não somos inteligentes, que não existimos para qualquer outra coisa que não seja servir ou entreter”, critica.

Embora precise falar de questões amargas, Xênia não perde o otimismo e a crença de que vivemos num mundo melhor do que antes e que dá para acreditar em mais avanços. “Há 200 anos, não éramos tratados nem como gente”, aponta.

O Brasil é um país racista. Como isso te afeta e o quanto essa questão foi importante para o disco?

Acredito que, hoje em dia, a minha reflexão sobre isso, principalmente depois de lançar o meu disco, me afeta de maneira emocional. Você vai tomando cada vez mais consciência das coisas e acaba virando uma espécie de ferramenta de vida. Acho que num sistema de faltas a gente não tem muita opção, tem que ir pra frente, que combater de alguma forma e isso acaba deixando a gente mais forte, porque a gente é forte. Eu estou dentro do furacão e ávida por justiça, então não vejo de fora. Por isso, é natural que reflita no meu trabalho.

O racismo ainda é muito presente…

A escravidão acabou há pouco tempo. O país existe há 500 anos e a abolição foi há 129 anos. Meus ancestrais chegaram aqui de maneira tão degradante, mas, mesmo assim, a gente ainda está aqui. Então, eu acredito na potência energética que existe nessa atmosfera à nossa volta que nos protege e nos leva para frente. Pensando na escala evolutiva, a gente está passando um momento que, embora pareça difícil economicamente e politicamente, incrivelmente é o momento em que as pessoas negras estão conseguindo avançar para novos espaços, discutir, questionar novas coisas.

E por que num momento tão difícil isso está acontecendo?

Porque é um investimento a longo prazo. As pessoas que vieram antes lutaram muito para a gente conseguir esse mínimo, que parece nada, mas é muita coisa perto do que sempre se teve, porque a gente nunca teve nada. Nossos ancestrais investiram na gente. Lutaram bravamente, resistiram muito para poder deixar um legado e só podemos utilizá-lo. A tendência é ficar melhor. Eu tenho visto as pessoas jovens cada vez mais conscientes, lutando e questionando mesmo, não abaixando a cabeça, indo para frente e arrombando a porta. Não dá mais para esperar alguém nos dar alguma coisa.

Você acredita que, em algum momento, vamos conseguir evoluir a ponto de não existirem a necessidade de mulheres, negros, gays terem que brigar para ter voz?

Eu acredito que sim. Eu sou uma pessoa que tem muitas crenças boas em relação ao ser humano. Embora a gente olhe e não sinta que isso possa acontecer agora, eu sempre faço uma relação de que, na natureza, para uma planta mudar de cor demora muito tempo. E pensando no ser humano como parte da natureza, estamos também em desenvolvimento. Muita gente fala para mim que o mundo está perdido, mas eu acredito que já foi muito pior. Lógico que a gente quer continuar avançando, não que é agora esteja bom, mas pensando que, há 200 anos, não éramos tratados nem como gente… Estamos em 2017, brigando por uma nova etapa, que é estar na sociedade de igual para igual.

Você também se tornou referência para mulheres, para meninas negras… Qual o peso dessa responsabilidade?
É uma responsabilidade muito grande, de que eu particularmente tenho até medo. Porque sou uma pessoa passível de erros. Faço do meu trabalho uma ferramenta para melhorar, mas tenho muita clareza do que é não ter referenciais no país em que a gente vive. Então, eu sou uma cantora, o que eu me preocupo é com a música, mas, naturalmente, mesmo que eu não falasse desses assuntos no meu disco, eu estaria exposta a essa questão de representatividade. Porque uma pessoa negra de boca fechada dentro de um espaço de privilégios é militante, mesmo que ela não saiba, mesmo que ela não queira.

E ainda nisso, o quanto é importante ter representatividade? Na música, na tevê, no cinema…
É disso que depende nossa evolução e nossa sobrevivência, sem isso a gente não tem nada. O que eu faço chega a outras pessoas e, principalmente, nas meninas negras. Por isso eu vejo como a gente está carente, porque eu nem sou famosa e alcanço muitas pessoas. A gente vive num país muito rico, com uma população trabalhadora muito grande, mas não tem investimento em desenvolvimento humano no Brasil, a gente só conta com a força do trabalho e continua com uma mentalidade escravocrata. Todas as faltas que a gente tem ainda partem desse resquício e da não disposição em mudar. Por isso, toda vez que um artista ou um jogador de futebol ganha qualquer tipo de destaque, isso se torna uma coisa muito relevante na vida de uma pessoa que não sabe nem como sair da situação em que ela está.

Seu trabalho traz também a questão de afirmação da beleza, da estética. Qual a importância da militância nesse sentido?
O racismo no Brasil, e em todos os lugares, tem uma característica muito forte de trazer invisibilidade. O racismo ensinou pra gente que nós não somos bonitas, que não somos inteligentes, que não existimos para qualquer outra coisa que não seja servir ou entreter. Eu acredito que a gente não pode negar nem fugir do que é. Nós somos belíssimos e não podemos ficar nos escondendo para fazer a vontade de um sistema de opressão. A militância estética é muito forte porque uma das primeiras coisas que o racismo ensina pra gente é a se odiar, odiar nossa imagem, nosso cabelo, nossos irmãos.

Como o seu trabalho com o Aláfia contribuiu para esse disco solo?

O Aláfia é o meu primeiro trabalho, foi a primeira vez que gravei um disco. É muito importante para mim a maneira como fui construindo minha densidade artística em meio a muitos desafios que eu tenho que diariamente lidar. Antes de ter o Aláfia, eu estava cantando há dois anos e eu sempre quis ter um disco, sempre quis ter um trabalho solo e, pelos desdobramentos da vida, aconteceu o Aláfia. Foi muito forte e muito impactante o encontro com essas pessoas, com o que a gente estava a fim de fazer no momento.

O disco também tem muitas referências sonoras, uma construção nesse sentido bem sofisticada. Como foi esse processo de juntar tudo e fazer o seu som?
Isso já estava dentro de mim. São as coisas que eu escuto desde criança. Sou baiana, então o meu disco tem muito da percussão baiana, uma linguagem de tocar de lá. Usei também influências da música cubana. Mas tudo isso não foi uma construção, foi uma organização, porque eu escuto muita coisa, tenho muitas referências, então o desafio era equilibrar e colocar o que fazia sentido para mim.

 

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