Carlos de Assumpção defende poesia com militância

Com 92 anos de luta, resistência e militância, o poeta Carlos de Assumpção terá um livro publicado em março pela Companhia das Letras

Por Devana Babu*, do Correio Brasiliense

Carlos de Assumpção: poeta simboliza arte contra racismo, há mais de 60 anos
(foto: Alberto Pucheu/ Divulgação)

“Comecei ali pelos 14 anos. Faz muito tempo. Sempre escrevi sobre o mesmo tema”, destaca o poeta Carlos de Assumpção, de 92 anos de idade, autor do poema Protesto, considerado um hino entre militantes do movimento negro, do qual o autor é tido como um decano. O grande público, entretanto, a mídia, os meios culturais, editoriais, literários e hegemônicos, sempre passaram ao largo de sua obra. Até agora.

Após lançamento de um documentário produzido por outro poeta, o professor de literatura Alberto Pucheu, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e da publicação de um artigo na Folha de S.Paulo, também de Pucheu, os olhos do mercado editorial finalmente se voltaram para um autor historicamente preterido. Em março, sairá pela Companhia das Letras o quinto livro do autor, o primeiro lançado por uma grande editora, fora do esquema independente.

“Há muitas referências ao poema Protesto, inclusive no Google. Eu tenho muitos seguidores no país inteiro. No meu Facebook, tem 5 mil pessoas. Alguns são sonolentos, não veem nada, mas alguns são conscientes. Sempre vivi fora desses eixos culturais”, dimensiona o poeta. Composto em 1956 e declamado em público, pela primeira vez, em 1958, o poema Protesto é uma referência entre a militância, pela força do brado poético de Assunção contra o racismo — seu tema recorrente.

“Ele fala o protesto na Associação Cultural do Negro (ACN, um dos mais antigos movimentos negros do Brasil), e vira uma febre. É uma associação que tinha vários poetas nela, como Oswaldo de Camargo, Eduardo de Oliveira e outros”, narra Pucheu, que vem se dedicando à pesquisa e divulgação da obra de Carlos de Assumpção. “É meu poema carro-chefe, um poema longo que fala sobre a história do negro. A situação social do negro é sempre isso aí”, explica Carlos.

Meus avós

Nascido em Tietê (SP), em 1927, Carlos era de uma família paupérrima, neto de negros escravizados, filho de um pai analfabeto e uma mãe alfabetizada, mas todos hábeis contadores de histórias. “Meus avós foram escravos. O avô que eu conheci, o materno, foi beneficiado por aquela Lei do Ventre Livre. Mas ele viu os pais e avós dele sofrendo na escravidão. Isso vem passando de boca em boca, aquela tradição oral, e chega até nós”, lembra o escritor.

“Meu avô costumava nos reunir toda noite e fazer uma fogueirinha no chão. Não tinha luxo, nada. Era um chão de terra dentro da cozinha, e ali nos reuníamos para ouvir falar sobre a escravidão. E isso fica. A criança é muito curiosa, quer saber tudo”, conta Carlos, que, anos depois, escreveria o poema Meus avós, em que enaltece a resistência de seus antepassados e contrapões a narrativa de que o negro se deixou escravizar passivamente. “O alicerce do racismo é a ignorância”, ressalta.

Poeta desde sempre, Carlos teve diversos empregos, como o de ajudante de caminhoneiro, por exemplo, mas sempre sonhou em ser professor. Adulto, radicou-se na cidade de Franca (SP), onde, bem mais velho que os colegas, estudou direito e letras (português e francês), atuando nas duas áreas, na primeira como advogado, na segunda como professor. Sempre poetando e militando, tendo apenas publicações em coletâneas e jornais, tornou-se referência dentro do movimento negro.

“O movimento negro me levou para Franca. Lecionei uns tempos em São Paulo, e frequentava a Associação Cultural do Negro. O presidente era um francano interessante, Geraldo Campos de Oliveira. Foi ele que levou meu poema Protesto num congresso que houve em Roma”, lembra-se. Em Franca, onde mora, Carlos Assumpção é querido e reverenciado, e ainda hoje é figura ativa na cena cultural e educacional do município que adotou como lar.

Protesto, nome também do seu primeiro livro, só foi publicado em 1982, uma coletânea com edição do próprio autor. Quilombo, uma segunda coletânea, chegou só em 2000. Depois veio Tambores na noite (2009), e Protesto e outros poemas (2015), todos publicações independentes e com pequenas tiragens. Por último, Poemas escolhidos foi publicado em 2017, um fanzine organizado pela Artefato Edições, por fãs e admiradores do poeta.

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