Carta para uma mulher negra

Querida Marlene,

O ano foi 2021. Ainda estávamos na Pandemia da COVID-19.

Nas reuniões do PCRI comecei a ter contato com você.

Seus depoimentos carregados de emoção me tocaram.

A voz ecoada atravessava o meu corpo. Me emocionava.

A sua voz ecoada me fazia imaginar as lutas que você deveria ter passado para ser a Marlene que você é.

A força que você precisou encontrar para falar das suas dores.

Dores que atravessam o nosso corpo. Corpos de mulheres negras.

Dores provocadas pelo racismo, pelo sexismo e pelos diversos marcadores de opressão que insistem em hierarquizar pessoas.

Você nos falava, em plena pandemia, das suas experiências. Experiências de resistência.

Pois é, Marla! Foi durante estes encontros do PCRI que comecei a te admirar. E dessa admiração veio o respeito.

Fortaleceu em mim o desejo de te agradecer. E continuar agradecendo a todas as mulheres negras que vieram antes de mim, abrindo caminhos para que eu pudesse sonhar.

Marla, quero te dizer que a sua história se cruza com a minha história. Com a história da minha mãe. Com a história de tantas outras Marlenes, Valdelices, Marias, Elianes, Terezas, Clarices, Ivetes, Carolinas. 

A nossa história é uma história coletiva!

Mas quero agradecer a vocês, principalmente, por me ensinarem que as duras experiências não podem nos endurecer. Não podem tirar a nossa alegria!! Você é assim!!

Cada encontro nosso fortalece em mim o ensinamento de que o amor, a justiça, o respeito e o sorriso no rosto devem ser a nossa marca.

É com voz embargada, sim! Porque tem subjetividade..

É com lágrimas no rosto, sim! Porque tem sentimentos, e não precisamos esconder.

É com humildade, sim. Porque compreendemos que todas as pessoas precisam ser respeitadas na sua condição humana.

Sendo assim, Marla, o meu coração se enche de alegria ao escrever esta carta.

Carta de agradecimento. 

Agradecimento pela sua coragem. 

Agradecimento pela sua resistência.

Agradecimento pelas experiências que você me possibilitou viver.

É uma carta para você, Marla.

É uma carta para a minha mãe.

É uma carta para as mulheres negras servidoras da Rede Pública Municipal de Ensino de Salvador.

É uma carta para as mulheres negras que vieram antes de mim e para aquelas que ainda virão.

Por isso te agradeço.

E te agradecendo eu agradeço a todas elas.

Então, Marla, tenho aprendido com você que precisamos sorrir, chorar, amar.

MarlaAmar, MarlaAmar, MarlaAmar.

Com carinho,

Valcineide Santos de Almeida

Salvador, 12 de março de 2025.


Valcineide Santos de Almeida – Mulher preta quilombola, da Comunidade Quilombola Lagoa Grande, Feira de Santana-Bahia. Pedagoga pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Mestra e Doutora em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia. Coordenadora Pedagógica da Rede Pública Municipal de Ensino de Salvador. Tenho me dedicado à pesquisas sobre formação de mulheres negras professoras.


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