A pergunta que não quer calar: denunciar a violência contra a mulher para quem?
A violência contra a mulher é uma questão alarmante e persistente em nossa sociedade, refletindo não apenas a desigualdade de gênero, mas também a interseccionalidade que torna algumas mulheres mais vulneráveis do que outras e as mulheres negras são as mais atingidas por essa violência, enfrentando uma realidade ainda mais cruel e desumanizadora. A Lei 14.541/2023, sancionada em março de 2023, deveria ser um passo importante na proteção das mulheres, mas a realidade no estado de São Paulo revela um cenário preocupante e desesperador: muitas delegacias especializadas em atendimento a mulheres permanecem fechadas a noite e aos finais de semana, como se a violência contra as mulheres tivessem dia e hora para acontecer, já que tem no relógio marcado o momento de denunciar: horário comercial.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2021, 66% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras. Essa estatística alarmante evidencia que a violência de gênero não afeta todas as mulheres de maneira igual; as mulheres negras enfrentam uma combinação de racismo e machismo que as torna mais vulneráveis a diversas formas de violência, incluindo a física, sexual e psicológica. Além disso, segundo o Atlas da Violência 2021, a taxa de homicídios de mulheres negras é 2,6 vezes maior do que a de mulheres brancas.
A Lei 14.541/2023 foi criada para fortalecer a rede de proteção às mulheres, mas a ineficácia na implementação dessas medidas é um reflexo de um sistema que ainda não prioriza adequadamente a segurança e o bem-estar das mulheres, especialmente das mulheres negras.
As delegacias da mulher desempenham um papel crucial na resposta à violência de gênero. Elas oferecem um espaço onde as vítimas podem se sentir seguras para relatar abusos, buscar orientação e receber apoio psicológico e jurídico. Quando essas instituições estão fechadas, as mulheres se veem desprovidas de um recurso vital, o que pode levar ao aumento da subnotificação de casos e, consequentemente, à perpetuação da violência. Para as mulheres negras, essa realidade é ainda mais grave, pois muitas vezes enfrentam barreiras adicionais, como a desconfiança nas instituições e a falta de acesso a recursos.
Além disso, o não funcionamento das delegacias 24 horas pode ser interpretado como uma falta de compromisso do Estado em enfrentar a violência contra a mulher. É fundamental que as autoridades não apenas sancionem leis, mas que também garantam a infraestrutura necessária para que essas leis sejam efetivas. A falta de investimento em segurança pública e na capacitação de profissionais que atuam na área é um entrave significativo para a proteção das mulheres, sobretudo para as mulheres negras, que frequentemente não encontram apoio ou sequer rede de apoio.
A sociedade civil também tem um papel importante nesse contexto. É essencial que haja pressão contínua sobre os governantes para que cumpram suas promessas e que as mulheres, especialmente as negras, sejam ouvidas em suas demandas por segurança e justiça. Movimentos sociais, organizações não governamentais e a mídia têm a responsabilidade de manter o tema em evidência, denunciando as falhas do sistema e exigindo ações efetivas.
A violência contra a mulher é uma questão que demanda atenção urgente e ações concretas, especialmente quando consideramos que as mulheres negras e periféricas são as que mais sofrem e morrem vítimas de feminicídio no Brasil. Dados alarmantes revelam que, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as mulheres negras representam uma parcela significativa das vítimas de feminicídio, evidenciando uma interseccionalidade entre raça, classe e gênero que agrava essa realidade. A Lei 14.541/2023 representa um avanço importante na luta contra violência de gênero, mas sua eficácia depende da implementação.
É hora de exigir que o Estado cumpra seu papel de proteger as mulheres, sobretudo aquelas que enfrentam todas as violências possíveis seja por ausência de estado e não garantia de direitos, essas são as maiorias destituídas de direitos – mulheres pobres e periféricas, o estado precisa garantir que todas tenham acesso a um sistema de justiça que funcione de fato. Somente assim poderemos avançar na luta contra a violência de gênero e construir uma sociedade mais justa e igualitária, onde todas as mulheres, independentemente de sua cor ou origem, possam viver sem medo e com dignidade, pois a vida começa quando a violência acaba.
Aline Barbosa, mulher negra, mãe e periférica, graduada em Licenciatura História com Especialização em Educação em Direitos Humanos na Universidade Federal do ABC. Atuei no movimento negro e coordenei os comitês antirracista no Brasil. Coautora do livro: Do ensino superior á OAB: Cotas Ético-Raciais no enfrentamento do racismo institucional. hoje sou apenas uma mulher negra em movimento.
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