Casamento infantil deve ser encarado como assunto urgente no Brasil

País ocupa quarto no lugar em ranking da Unicef que mensura esse problema social que ceifa sonhos

Nessa última terça-feira, me reuni com a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, em São Paulo. Foi uma ótima oportunidade de apresentar o trabalho do Instituto Feminismos Plurais e conversar sobre os direitos das mulheres e das crianças no país com a chanceler alemã.

Em dado momento da conversa, disse, segundo pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que o Brasil ocupa o quarto lugar no mundo em casamentos infantis.

A informação surpreendeu pela dimensão do problema e, a partir desse momento, a conversa caminhou por este sentido. Contei sobre quando era professora no sistema público estadual de educação. Foram várias meninas de 13, 14, 15 anos que se casavam com homens bem mais velhos, boa parte delas já grávidas.

Apesar de ser em números absolutos, o ranking de casamento infantil no Brasil não pode ser justificado pela população no país. Segundo a ONU, estamos na sétima posição de nação mais populosa, mas, ainda assim, estamos três posições à frente nesse ranking infamante de casamento de adolescentes.

Voltei para casa pensando nesse assunto. Por que essa situação que sequestra meninas em um ambiente doméstico e as mantém na experiência da pobreza, na grande maioria dos casos, não é assunto urgente neste país?

Na realidade de muitas daquelas alunas com quem convivi, suas famílias se mostravam de certa forma aliviadas por terem uma pessoa a menos para alimentar. Como muitas pesquisadoras do assunto já apontaram, é um ciclo de feminização da pobreza. A maioria das mães dessas garotas também foram garotas que engravidaram e se casaram com homens mais velhos na sua época e assim por diante.

No Brasil, é incomum ouvir em “casamento arranjado”, no sentido da família negociar a filha para se casar com um homem mais velho. Contudo, pensando em como estamos imersos na naturalização do casamento dessas meninas —que param de estudar, assumem obrigações maternas precoces e ficam dependentes financeiramente dos homens— as meninas brasileiras estão engendradas em uma forma particular de arranjo.

Vão se fechando tanto as possibilidades de vida para as meninas, que sair de casa passa a ser a única opção. Viver uma infância, uma adolescência focada no desenvolvimento dos estudos e de uma experiência de vida apropriada à idade é irreal para milhões de meninas brasileiras.

Segundo os dados da ONG Girls not Brides, mais de 2,2 milhões de meninas adolescentes são casadas ou vivem em união estável, uma assustadora proporção de 36% das jovens menores de idade do país.

É uma situação gravíssima, para dizer o mínimo, que gera uma infinidade de consequências negativas tanto para a sociedade brasileira, quanto para os países vizinhos da América Latina, que também enfrentam altos índices similares deste problema.

Por isso, não se trata de um tema setorial, específico, ou até mesmo —como certa tradição progressista tem o hábito de dizer de forma equivocada— identitário. Muito pelo contrário. Trata-se de uma reação para um compromisso ético com o desenvolvimento da sociedade brasileira.

Uma menina que deixa de estudar para ser mãe e dona de casa é uma vida com sonhos ceifados, é uma indivíduo preso em uma teia de falta de oportunidades; é mais um reforço da dominação patriarcal geradora de violências às mulheres.

Mas, mesmo que o argumento ético não sensibilize setores públicos e privados sobre a urgência do tema, ainda assim, por uma perspectiva econômica não deveria interessar à nenhuma nação a perda do desenvolvimento educacional, profissional e financeiro por um segmento da sociedade.

Proteger a juventude do fim precoce de possibilidades de vida é uma política de educação, saúde, economia, cidades, cultura, ciência, segurança pública, esporte, entre tantas outras agendas que serão impactadas positivamente com o desenvolvimento cidadão dessa imensa parcela da população brasileira.

É urgente que a sociedade brasileira se volte à proteção e desenvolvimento das meninas brasileiras.

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