Centenário de Tia Tita é marcado pela ancestralidade e louvado no quilombo

Comunidade do Morro Santo Antônio reverência legado de sua matriarca

Tenho certeza que muitos aqui não conhecem dona Maria Gregória Ventura, também conhecida por Tia Tita. Não culpo ninguém por isso. Tia Tita é a matriarca do quilombo Morro Santo Antônio, na cidade mineira de Itabira, e está completando cem anos de existência.

A longa existência de pessoas negras é algo que tem a ver com ancestralidade. Nos países africanos, como Angola, por exemplo, quanto mais velho for o habitante da comunidade, mais respeito ele tem pelas gerações. No conceito de todos que o cercam, o mais velho merece a mais acurada atenção e escuta porque, pela tradição, está, pela origem, mais próximo do seu ancestral, ou seja, àquele que criou a humanidade.

Acontece a mesma coisa, no caso particular de Tia Tita —quilombola, curandeira medicinal pelas ervas naturais e memória viva do quilombo fundado há, pelo menos, 300 anos, nos altos das verdes colinas itabiranas, na Serra do Espinhaço, refúgio de negros africanos que resistiram bravamente à escravidão.

O município de Itabira é, até hoje, marcado pela forte presença da população negra na região, que remonta ao século 18, ou seja, ao período de sua ocupação, que data de 1720. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os negros representam 70,18% da população –pretos (12,88%) e pardos (57,18%). A população branca itabirana é estimada em 28,67%, enquanto a indígena conta com 0,08% do total.

Hoje, no caso de Tia Tita, sua história de vida é marcada pela reverência dos seus próximos e por todos aqueles que a conhecem e admiram. Por conta da sua centenária data natalícia, Tita tem sido alvo de inúmeras homenagens, não só de sua comunidade, mas da população da cidade, que estima seu histórico de vida, marcada pela resiliência e honestidade.

Uma dessas homenagens veio da própria municipalidade de Itabira. O poder público, através do Legislativo municipal, por intermédio do vereador José Júlio Rodrigues, o Júlio Comebem (PP), decretou o Ano Municipal do Centenário de Maria Gregória Ventura, a Tita. Chegou em boa hora tal reconhecimento. Junto a ele, além de um farto almoço no histórico terreiro do quilombo, com autoridades e amigos, um documentário –”Tia Tita, 100 anos de luta e fé”–, do cineasta e produtor Danilo Candombe, está sendo rodado para valorizar o legado e a história de vida da matriarca que tanto contribuiu pela sobrevivência e fortalecimento do seu povo quilombola.

Dona Maria Gregória Ventura nasceu no dia 2 de agosto de 1924, numa pequena casa do Quilombo Morro Santo Antônio. É filha de Ernestina de Maia, que, embora muito jovem, ficou conhecida como alguém que influenciava os destinos da comunidade. Não conheceu o pai, cujo nome também não consta em sua certidão de nascimento. Ao ficar órfã de sua zelosa mãe, o padrasto, com quem tinha alguma referência paterna, logo arranjou nova companheira, para ajudar a cuidar da casa e criar a menina.

A madrasta e Tita não se deram bem, assim como o duro trabalho da roça a extenuava. Foi aí que, para amenizar o seu sofrimento, os tios Maria Luiza e Joaquim, que já criavam a prima Maria de Lourdes, tomaram para si a responsabilidade de cuidar dela, o que ocorreu até sua adolescência.

Maria de Lourdes teve papel importante na vida da jovem Tita. Influenciada pela prima, as duas deixaram a comunidade e foram para a capital, onde trabalharam como doméstica para várias famílias de políticos influentes e de grande poder econômico de Itabira, cuidando de suas casas e ajudando a criar seus filhos.

Tia Tita era grande conhecedora de ervas medicinais e da cozinha dedicada à culinária do quilombo. Os seus quitutes quilombolas e suas mandingas a fizeram conhecida na sociedade mineira itabirana.

Viajou o Brasil com muitas dessas famílias. Depois disso, Tita casou, ajudou a criar, como filho adotivo, o sobrinho do marido, ficou viúva e no ano de 2003, voltou para o Quilombo, devido a morte do seu filho de criação.

Ainda é uma ativa militante quilombola, apesar da idade, o que constitui exemplo de abnegação e coragem, o que comove e estimula os mais jovens.

Certamente as personalidades mais famosas nascidas na cidade, o poeta Carlos Drummond de Andrade e Alfredo Duval —o “santeiro” do poema drummondiano, grande escultor sacro—, não a tenham conhecido. Se tivessem, Tia Tita teria merecido um elogioso e inspirado poema do primeiro, assim como uma imagem, à semelhança de uma santa negra, do segundo.

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