Claudia di Moura lembra racismo na igreja em sua infância: “Não tem anjo preto no céu

Tal como Zefa, de “Segundo Sol”, ela nasceu em Salvador e diz que todo negro tem de justificar a cor da sua pele 24 horas por dia

por Felipe Carvalho no Marie Claire

Foto: Henrique Fischer

Uma das personagens de maior destaque na novela Segundo Sol, Zefa tem chamado a atenção para um problema crônico de nossa sociedade que, muitas vezes, é varrido para debaixo do tapete como se não existisse: o racismo. Claudia di Moura, que dá vida à empregada dos Athayde, conta que o preconceito ainda é muito comum em sua cidade natal, Salvador, mesmo lugar onde se passa a trama das 9.

Ela lembra em entrevista à Marie Claire que, desde pequena, sofre com o racismo que está inserido na sociedade como um verdadeiro câncer e diz que os negros têm de justificar sua cor de pele 24 horas por dia, sete dias por semana.

“O que me levou aos palcos foi exatamente o preconceito da igreja católica. Nas quermesses me impediam de fazer papel de anjo nas apresentações porque não tem anjo preto no céu. E eu ficava com a missão de declamar poesia. E era nisso eu jogava toda a minha alma. Toda pessoa negra em Salvador sofre, sofreu ou sofrerá algum tipo de racismo simplesmente porque precisa justificar a cor da sua pele 24 horas por dia.”

Ela ainda salienta que até mesmo um simples elogio para uma mulher branca é diferente se for dado a uma negra.

“Quando falam que a branca é bonita, as pessoas dizem ‘que mulher bonita’. Se ela é negra, dizem ‘que negra bonita’. É um racismo sutil, disfarçado de elogio. Um verdadeiro Cavalo de Tróia”, compara.

Assim como na vida real, a atriz acredita que exista um patriarcalismo racista representado pela figura de Severo (Odilon Wagner) na trama de Segundo Sol. Para ela, Zefa é uma reminiscência da escravidão que ainda se vê ali na esquina, de um passado nada distante.

“Assim como naquela época, ainda hoje, há todo um mecanismo de silenciamento do negro. E mesmo o amor maternal de Zefa, no intuito de proteger seus filhos da vilania de um mundo racista, acaba por servir de instrumento para a perpetuação desse racismo. Ela é o retrato de um tempo em que a única maneira de sobreviver ao sistema de opressão era alimentá-lo, dar de comer ao leão para que ele nunca viesse lhe devorar. Os tempos são outros, mas ainda há Zefas por aí, mulheres que se veem obrigadas a camuflar seus filhos para que eles não sejam vistos pelo olhar devastador do preconceito”, fala.

Repercussão

A personagem de Claudia tem feito muito sucesso na novela das 9 e ela acha que isso se deve a Zefa surpreender por suas nuances pessoais mostradas na tela, mais ou menos como na vida real.

“Ela é cheia de meandros obscuros em sua personalidade, tem motivações contestáveis, mas tem o caráter firme. Você pode amar ou odiar essa mulher. Às vezes, as duas coisas no mesmo capítulo, mas é difícil ficar indiferente. Ela rompe a expectativa de se ter uma serviçal negra no canto do cenário apenas trazendo e levando bandejas, exibindo suas curvas sedutoras ou servindo de alívio cômico. Ela está no centro da sua própria trama e isso faz dela uma personagem instigante para o público e para mim”, opina.

Apesar de Zefa e Claudia terem nascido na mesma cidade baiana e terem sofrido com preconceitos na vida, a atriz ainda consegue enumerar algumas outras semelhanças entre sua personagem e ela.

“Zefa e eu acreditamos no amor, mas fazemos isso de maneiras muito diferentes. O amor que ela emana é puro sacrifício, centrado na felicidade do outro. Eu creio no amor como via de mão dupla, com diálogo e respeito. Se não há respeito, não há amor.”

Mãe de três mulheres – Dayse, Iasmin e Vitória -, Claudia afirma que é bem diferente de sua personagem neste sentido. Ela prefere sempre trabalhar com a verdade quando o assunto são suas filhas.

“Eu tenho duas geradas no coração e só uma nascida do ventre, que é a Vitória. E as três recebem o mesmo amor, a mesma maternidade. Eu e minhas filhas somos cúmplices, parceiras, irmãs”, finaliza.

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