Cobertura da imprensa sobre racismo ainda é superficial, dizem especialistas

Ao destacar casos de violência verbal e física, mídia deixa de aprofundar debate sob a perspectiva estrutural

FONTEFolha de São Paulo, por Marina Costa
Da esq. p/ dir., Midiã Noelle (mediadora), Flavia Lima, Maurício Pestana, Priscila Tapajowara, Ronaldo Matos e Vinicius Martins participam de evento no auditório da Folha, na região central de São Paulo - Erezin (João Victor de Oliveira) e Cribeirao (Clayton Ribeiro)/Divulgação Projeto Seta

A identificação do racismo se concentra nos casos que ocorrem nas relações interpessoais, segundo a pesquisa Percepções sobre Racismo no Brasil, realizada pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) a pedido do Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista) e do Instituto de Referência Negra Peregum, organizações que se dedicam ao estudo da população negra.

Um dos dados levantados mostra, por exemplo, que 66% dos entrevistados consideram a violência verbal como principal forma de manifestação do racismo na sociedade brasileira e 39% mencionam a violência física. Apenas 8% consideram que a prática está na desigualdade de investimento em diferentes territórios de acordo com o grupo que vive no local.

Entre os dias 14 e 18 de abril de 2023, o estudo ouviu 2.000 pessoas com mais de 16 anos em 127 municípios de todas as regiões do país. Os resultados foram debatidos durante o seminário Comunicação Antirracista em Pauta, realizado pelo Projeto Seta e pelo Instituto Peregum na manhã da última terça-feira (10), no auditório da Folha.

A historiadora Ana Paula Brandão, cofundadora do Seta e diretora programática da ONG ActionAid, afirma que a percepção de racismo da população aparece também na cobertura do tema pela maior parte da imprensa, que ainda destaca ofensas e agressões físicas, por exemplo, e não aprofunda a discussão de questões étnico-raciais sob as perspectivas estrutural e institucional.

Para Márcio Black, coordenador de projetos executivos do Instituto Peregum, um dos caminhos para mudar o cenário e para fugir de estereótipos —como o de abordar questões raciais apenas no mês de novembro, quando se comemora o Dia da Consciência Negra— é ir além da grande mídia e repercutir os dados da pesquisa em veículos negros e periféricos.

Brandão e Black participaram da primeira mesa do evento, mediada por Naiara Evangelo, assessora de comunicação do Projeto Seta. Conduzido pela  jornalista Midiã Noelle, consultora do projeto, o segundo painel discutiu estratégias de promoção da comunicação antirracista tanto em grandes veículos quanto em mídias menores.

Ao citar a criação do núcleo de Diversidade na Folha em 2019, a jornalista Flavia Lima, secretária-assistente de Redação, ressalta que, para ter sucesso, o setor não pode ser criado para concentrar todas as pautas da área.

“As outras editorias entendem que a diversidade é relevante. Política sabe, economia sabe, e a gente faz uma série de reportagens relacionadas a questões de raça, gênero, religião, entre outras. Isso significa um avanço, porque essas questões sempre estiveram concentradas em algumas editorias específicas, como cultura ou a seção policial.”

Ao se voltar às questões raciais, um veículo pequeno precisa entender as estratégias utilizadas pela grande imprensa para se comunicar com uma parte expressiva da população —tanto para ter sustentabilidade financeira quanto para alcançar seu público, visto que pretos e pardos são 56% dos brasileiros, diz Maurício Pestana, CEO da Revista Raça.

Ronaldo Matos, cofundador e editor do Desenrola e Não Me Enrola, portal dedicado à cobertura nas periferias e à formação de jovens para disseminar notícias nessas regiões, questiona o acesso à informação com base nos dados da pesquisa TIC Domicílios, do Nic.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR). Segundo o estudo, 36 milhões de brasileiros não têm acesso à internet, enquanto 92 milhões acessam a web apenas pelo celular.

“O jornalismo precisa atentar para o contexto de desigualdade informacional, de segregação digital e de falta de programas que fomentem a cidadania digital e a educação midiática antirracista. Sem essas ações e em um mundo extremamente polarizado, temos também uma população negra que se afasta do jornalismo e o desvaloriza, e isso é um mal para a democracia.”

Segundo o último Mapa da Desigualdade divulgado pela Rede Nossa São Paulo, do ano passado, Pinheiros possuía 30,41 antenas de internet móvel a cada 10 mil habitantes em 2021; no Jardim Ângela, o número era 1,43.

“É um debate sobre infraestrutura. Esse é o tipo de jornalismo que a Alma Preta quer fazer. Queremos trazer esses dados e questionar o poder público”, diz o cofundador da agência, Vinicius Martins. Para ir além do digital, uma das ações da agência Alma Preta foi o lançamento de um manual de Redação antirracista neste ano.

Já no portal Mídia Indígena, as redes sociais ainda são o principal canal de difusão de informações. Além da barreira do idioma, devido à variação entre as diferentes etnias, um dos fatores que dificulta a difusão de informações nos territórios é a falta de comunicadores indígenas, diz a coordenadora Priscila Tapajowara.

Para reverter o cenário, a iniciativa investe na formação de jovens nessas regiões. Durante as fases mais agudas da pandemia, o movimento foi fundamental para denunciar o avanço do garimpo ilegal, a presença de madeireiros e o aumento das queimadas, exemplifica Tapajowara.

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