Como foi o casamento de Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial

Girassóis, as flores preferidas de Marielle, sua irmã morta em 2018, decoravam o espaço e eram distribuídos pelas crianças

“Um relacionamento igualitário, que consigo exemplificar com a nossa cama, onde você fica com 80% do espaço e eu com 20”. Os votos de Fred, como é conhecido Carlos Frederico da Silva, no casamento com Anielle Franco, arrancaram risos dos cerca de 200 convidados da celebração. Festa para amigas e amigos, sem pretensão de ser um encontro político, mesmo com a presença de ministros de Estado, prefeito, parlamentares e lideranças de movimento social.

Padre Gegê, católico, e Mãe Leiria de Xangô, sacerdotisa da umbanda, realizaram em harmonia a cerimônia no último 27 de julho, quando Marielle Franco completaria 45 anos de idade. Antes do casamento, tomei a liberdade de perguntar a Anielle sobre a escolha da data.

“Marielle amava uma festa. Conversei com minha mãe e Luyara [filha de Marielle] e elas concordaram que seria bonito ressignificar a data, celebrando o amor e a vida”, respondeu minha amiga, não a ministra, de quem tive a honra de ser madrinha de casamento.

Luyara Franco foi a segunda a entrar, logo depois do noivo, carregando uma placa de rua com o nome da mãe. Girassóis, as flores preferidas de Marielle, decoravam o espaço e eram distribuídos pelas crianças. Mãe Leiria de Xangô entregou um fio de contas para cada um dos noivos, como símbolo de aliança entre eles, mas também com a ancestralidade. Ao final, padre Gegê ressaltou que não era dia de punho erguido: apesar da dor e da luta, era dia de alegria.

Todo mundo obedeceu. Dona Marinete e seu Antônio, pais da noiva, principalmente. A pista estava animada com a deputada federal Talíria Petrone, a ministra Esther Dweck, o ministro Vinicius Marques, a presidenta do Banco do Brasil Tarciana Medeiros, a deputada estadual Renata Souza, gravidíssima. Em outro ambiente, estavam o prefeito Eduardo Paes, seu concorrente nas próximas eleições Tarcisio Motta, a vereadora Tainá de Paula, além de Miriam Belchior, Paulo Teixeira, Aloisio Mercadante, Jorge Messias, Nísia Trindade, Camilo Santana, Jandira Fegali. Uma lindeza presenciar a intimidade de Benedita da Silva com Sueli Carneiro, Lucia Xavier, Flavia Oliveira.

Os noivos pediram que celulares fossem deixados na entrada, oportunidade cada vez mais rara de estar verdadeiramente presente. Uma cabine de fotos estava disponível para registros – e até agora estou lamentando não ter me dado conta – , descobri no dia seguinte, espiando o perfil de instagram de Luana Xavier, Roger Cipó, Katiuscia Ribeiro, Rene Silva, Raul Santiago, Nath Finanças. Fartura de comida, samba, bebida, funk como é na favela. Que sorte do Brasil ter essa ministra favelada que leva generosidade para a política e celebra o amor.

Ao rir dos votos do noivo, lembrei do texto “A mulher negra e o amor”, escrito por Beatriz Nascimento em 1990: “Rejeitando a fantasia da submissão amorosa, pode surgir uma mulher preta participante, que não reproduza o comportamento masculino autoritário, já que se encontra no oposto deste, podendo assim, assumir uma postura crítica intermediando sua própria história e seus ethos . Levantaria ela a proposta de parcerias nas relações sexuais que, por fim, se distribuiria nas relações sociais mais amplas”. Apesar da brincadeira de Fred sobre a igualdade na relação, sou testemunha de que Anielle encarna a mulher preta sonhada por Beatriz. Oxalá, se multiplique.


Bianca Santana – Doutora em ciência da informação, mestra em educação e jornalista. Autora de “Quando me Descobri Negra”

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