Compromisso contra intolerância religiosa

Terreiros de umbanda e candomblé ainda são destruídos e profanados Brasil afora

Por Flávia Oliveira, do O Globo 

Foto: Marta Azevedo

Foi uma campanha eleitoral marcada pela intolerância religiosa. A corrida municipal 2016 teve, de um lado, o medo legítimo dos devotos das religiões de matriz africana, historicamente perseguidas por sucessivos algozes, do Estado colonial à Igreja Católica, de instituições policiais a cultos neopentecostais. De outro, a desconfiança dos que não creem na possibilidade de um homem religioso governar sob o imperativo do Estado laico.

Não é sem motivo que o candidato Marcelo Crivella (PRB) desperta calafrios em quem não compartilha sua fé. O líder das pesquisas eleitorais é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e sobrinho de Edir Macedo, o líder que assentou sua religião no terreno pantanoso da demonização do espiritismo, da umbanda e do candomblé. Não há filho de santo que esqueça de que na origem da bem sucedida expansão da IURD está “Orixás, caboclos e guias — Deuses ou demônios”, peça de explícita depreciação das religiões de matriz africana. Escrito por Macedo, o livro chegou a vender três milhões de exemplares pelos idos dos anos 1990.

O fato é que chegamos a 2016 e, Brasil afora, terreiros de umbanda e candomblé ainda são destruídos e profanados, e os filhos de santo, apedrejados em via pública. No ano passado, o serviço federal Disque 100 Direitos Humanos recebeu 556 denúncias de intolerância religiosa, quase o quádruplo de 2014 (149). São três ocorrências a cada dois dias.

Assim, na semana derradeira do primeiro turno, a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, que reúne entidades espíritas, muçulmanas e de cultos afro-brasileiros, convidou os candidatos a prefeito do Rio a assinarem uma “Carta-compromisso com os direitos humanos contra a violência, o racismo e a intolerância religiosa”. O documento, de três páginas, cita artigos da Constituição, do Código Penal e de leis contra preconceito religioso, violência homicida, de gênero, LGBTfobia e racismo.

Na sequência, lista medidas que o candidato, se eleito, se compromete a adotar. O rol inclui não interferir na aprovação de leis que criminalizem agressões por gênero, orientação sexual, religião ou raça; defender a liberdade de manifestação religiosa; atender as vítimas da intolerância; viabilizar o ensino de cultura e história afro-brasileiras na rede municipal; instituir a Secretaria municipal de Direitos Humanos, Cidadania e Diversidades.

Quatro candidatos aderiram: Crivella, Carlos Osório (PSDB), Jandira Feghali (PCdoB) e Marcelo Freixo (PSOL). “É um fato político de grande relevância a assinatura desse compromisso, em particular por Marcelo Crivella”, diz o babalaô Ivanir dos Santos, presidente da comissão. Nem todo candidato realiza o que promete ou cumpre o que assina. Mas o documento firmado, no futuro, ajudará a determinar se quem temeu pela liberdade de credo e pela perda de direitos civis acertou ou errou.

Bom voto!

 

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