Cotas raciais até durarem as desigualdades

No ano que vem, a popular lei de cotas, Lei 12.711 de 2012, será reavaliada. A legislação prevê o ingresso, nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, para os autodeclarados pretos, pardos e indígenas e para as pessoas com deficiência, estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita e para alunos oriundos de escola pública.

A norma é um sucesso. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a presença de negros nas universidades dobrou entre 2011 e 2019, passando de 9% para 18%. Os números são referentes a estudantes que frequentam o ensino superior, entre 18 e 24 anos.

No Congresso Nacional, tramitam dezenas de proposições sobre o tema. Algumas preveem a reavaliação da lei, no prazo de 10 anos, como o PL 4656, de 2020, de autoria do senador Paulo Paim, um dos parlamentares mais atuantes na pauta racial. Porém, existem propostas que adiam a revisão da norma para 30 anos e outras a tornam permanente, uma vez que persistam as desigualdades raciais e sociais no país.

Dentre as proposições, uma há em que foi retirada a identificação da raça, mantendo-se a denominação renda, reforçando a meritocracia tão “pacificada”, quanto o mito da democracia racial. Garantir a presença e a permanência da multiculturalidade da população brasileira nos bancos escolares é de extrema importância para o desenvolvimento social, econômico e financeiro do país, pois o capital intelectual criativo e real, que a diversidade propicia, gera a nossa efetiva riqueza.

Negros, indígenas, pessoas com deficiência, mulheres, jovens, idosos, LGBTQIA+, todos os grupos racializados e marginalizados precisam estar nos espaços de poder,nos parlamentos, nas grandes empresas e inclusive na academia. A população negra isoladamente é mais que 56% do total da população brasileira e no entanto tem baixíssima proporcionalidade na maioria dos cargos e funções de poder e prestígio na sociedade.

Os dados do Ipea, CNJ, IBGE e Ministério da Saúde apontam:

»76% das pessoas mortas em ações policiais são negras;

»30%dos cargos de gerência são ocupados por pessoas negras;

»71% das pessoas mortas por assassinato são negras;

»64% da população carcerária é negra;

»29% dos trabalhadores subutilizados são negros;

»Renda média mensal de brancos é de R$ 2.796 enquanto a de negros não passa de R$ 1.608;

»43% dos negros vivem sem rede de esgoto;

»13% dos negros vivem sem coleta de lixo;

»O risco de um homem negro ser morto é 74% maior que um homem branco; para a mulher negra, é de 64,4% maior em relação à mulher branca.

Alei de cotas carrega, em uma das suas muitas missões, atentativa de equilibrar na área educacional o racismo e as desigualdades existentes há séculos. Para que isso aconteça em todas as áreas da sociedade, precisamos de um combo de políticas públicas integradas e medidas pontuais para as áreas de saúde, educação, mercado de trabalho, em que trabalhadoras(es) tenham coragem de denunciar assédios — moral ou sexual, sem medo de perder seus empregos —, combate à violência que atinge, de mão cheia, os corpos racializados, em especial a juventude negra, moradia, saneamento básico, cultura, lazer, iluminação pública e demais equipamentos públicos e tantas outras políticas que enfrentem o racismo e as desigualdades.

Esta pandemia do coronavírus, que arrebatou mais de 600 mil vidas, sacudiu, rasgou e jogou para o ar os carpetes, que cobriam as desigualdades, revelou o caos nas instituições, demarcou a insegurança alimentar, as violências, o desemprego e assumiu o retorno da miséria, que registrava até janeiro, o número de 39,9 milhões de pessoas vivendo na extrema pobreza, sobrevivendo com o valor de R$ 89 por mês, segundo dados do Ministério da Cidadania.

Manter a política de cotas em uma sociedade em que a hecatombe da desigualdade favorece o crescimento de uma fortuna familiar de US$2 bilhões, em 2020, para US$13 bilhões em 2021 (valor médio da fortuna de empresários da Saúde saltou 134% em Saúde — brasildefato.com.br) é reconhecer que as linhas de partida e permanência não são as mesma se que o sábio e filósofo Aristóteles tem toda a razão: “Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”.

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