O mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde indica que aumentou o percentual dos negros (pretos ou pardos) entre os pacientes internados e os mortos por Covid-19.
Os dados ainda sinalizam que permanece a disparidade entre o percentual de internações e de mortes entre os negros, o que já foi apontado por especialistas como indício de possível disparidade no acesso ao atendimento.
Segundo os dados de domingo (26), os mais recentes que consideravam a variável raça/cor, os pardos e pretos somavam 37,4% das hospitalizações e 45,2% das mortes. Duas semanas antes, no primeiro balanço do ministério que apresentou o recorte, os percentuais de hospitalizações e de mortes era de respectivamente 23,10% e 32,8%.
Mesmo com eventuais ressalvas sobre a metodologia e o preenchimento das informações pelas secretarias estaduais, o comparativo entre os dois boletins mostra uma queda de 12 pontos percentuais nas mortes entre os brancos e um aumento de 12,4 pontos percentuais entre os negros.
Marcelo Gomes, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), diz que os dados precisam de uma análise estatística mais refinada, mas servem de alerta.
“A medida que o tempo passa a gente espera cada vez mais casos de negros, justamente por causa da discriminação. O coronavírus entrou no país entre as classes econômicas mais altas. O número absoluto é uma consequência desse processo. Daqui a pouco os números devem aumentar e ter mais casos nas comunidades mais vulneráveis e com menor estrutura de saneamento básico” – Marcelo Gomes, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
Em entrevista ao G1, Karina Ribeiro, epidemiologista e professora-adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, diz que uma coisa é a porcentagem e outra completamente diferente é o risco que cada uma dessas populações corre. Para chegar a uma conclusão mais precisa, é necessário fazer uma análise por faixa etária e raça, com ajustes. Uma das variáveis importantes é o fato de as pirâmides etárias entre brancos e pretos serem diferentes, por exemplo, e o Sars CoV-2 matar mais idosos.
Coronavírus no Brasil: análise dos dados do Ministério da Saúde aponta perfil dos mortos
Os números dos boletins do Ministério da Saúde não retratam toda a complexidade do problema. A base dos dados são as internações e óbtidos por Covid dentro das hospitalizações por Sindrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
No primeiro balanço, de 10 de abril, houve 341 mortes e 1,9 hospitaizações sem informação de raça/cor. Naquela data o Brasil tinha pouco mais de mil mortes e quase 20 mil casos. No balanço de domingo (26), o total passou para 1,3 mil e 5,2 mil, respectivamente. No fim de semana os números totais eram 4,2 mil mortes e quase 62 mil casos.
Segundo a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), 67% dos brasileiros que dependem exclusivamente do SUS (Sistema Único de Saúde) são negros, além disso, eles também são a maioria que apresentam comorbidades como diabetes, tuberculose, hipertensão e doenças renais crônicas no país – fatores que aumentam o risco de desenvolver uma versão mais grave da doença.
Ainda segundo SBMFC, a maioria dos trabalhadores informais e dos serviços essenciais do país, que apresentam dificuldade em cumprir as medidas de isolamento social são negros.
No início do mês de abril, a instituição divulgou um manifesto pedindo para que o Ministério da Saúde passe a divulgar:
- Declarações de óbito por COVID-19 e notificações de Síndrome Respiratória Aguda Grave por raça/cor;
- Declarações de óbito por COVID-19 e notificações de Síndrome Respiratória Aguda Grave com por bairros nos municípios;
- Declarações de óbito por COVID-19 e notificações de Síndrome Respiratória Aguda Grave realizadas no sistema de saúde desagregando os serviços de saúde públicos e privados;
- A produção, análise e divulgação de dados referentes aos casos suspeitos por COVID-19 com desagregação por raça/cor;
Um outro manifesto encaminhado à Prefeitura de São Paulo, assinado por líderes comunitários e membros de instituições públicas e privadas, também solicita a divulgação de dados como raça e cor das vítimas de Covid-19 na cidade.
“As populações periféricas convivem há anos com os descasos na saúde pública e, muitas vezes, buscam a sobrevivência a base da solidariedade mútua, exigimos que essas informações sejam disponibilizadas para ajudar na conscientização e no enfrentamento a Covid 19 nas periferias urbanas da cidade de São Paulo”.