A divisão equânime das atribuições familiares é agenda importante
Por FLÁVIA OLIVEIRA, do O Globo

A licença-maternidade no Brasil é tão antiga quanto a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Nasceu em 1948 e, sete décadas depois, o país ainda não se livrou do debate que relaciona a desigualdade de gênero no mercado de trabalho ao período de afastamento das mulheres por darem à luz. Até o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro usou o argumento para justificar o salário maior dos homens. Pois um estudo recém-concluído praticamente sepulta a polêmica. Há pouca diferença no número de dias em que elas e eles se afastam do emprego por problemas de saúde, acidentes de trabalho e/ou licença-maternidade/paternidade. Num ano, homens se ausentam 13,5 dias; mulheres, 16.
As pesquisadoras Adriana Carvalho, gerente dos Princípios de Empoderamento e Programa Ganha-Ganha da ONU Mulheres Brasil, e Regina Madalozzo, professora e coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero do Insper, basearam-se nos dados do Relatório Anual das Informações Sociais 2017 para contabilizar os afastamentos. O Rais é entregue ao governo por todas as empresas e contém informações sobre idade, cor/raça, sexo, remuneração, horas trabalhadas, entre outras. O estudo identificou as ausências por acidente de trabalho (típico ou no trajeto), doença (relacionada ou não ao ofício), licença-maternidade, serviço militar obrigatório e licenças sem remuneração. Levando em conta apenas os empregados que trabalharam durante todo o ano, a diferença a favor das mulheres, na média, não chegou a três dias.
A dupla separou mulheres e homens por faixas etárias. Descobriu que, até os 35-40 anos, elas chegam a se afastar do trabalho pelo dobro do tempo deles; gravidez e licença-maternidade explicam. Entre os 40 e 45, os dias de ausência se equipararam: 13 para eles, 14 para elas. A partir dos 45, são os homens que ultrapassam as mulheres em ausências médicas: de 17 a 27 dias de afastamento, contra 18 a 22, respectivamente.
No estudo, Adriana e Regina também calcularam os dias de ausência desconsiderando licenças-maternidade e paternidade. Para quase todas as faixas etárias, homens ficam fora por mais tempo. Entre 20 e 25 anos, tiram um dia e meio a mais por ano; de 55 a 60, cinco dias. Apenas no intervalo de 35 a 40 anos, mulheres têm vantagem de 0,1 dia. “Pelos dados, a licença-maternidade não impacta tão significativamente as empresas como se imagina”, diz Adriana.
Na origem, a licença-maternidade durava 84 dias e era paga pelos empregadores. Em 1973, a Previdência Social assumiu os custos. A Carta de 1988 aumentou o período para 120 dias; em 2008, tornou-se possível a concessão de 180 dias. Pais tinham direito a um dia de afastamento pela CLT; a atual Constituição estabeleceu cinco, pagos pelo empregador. Projetos para ampliar o período tramitam há anos no Congresso Nacional.
A divisão equânime das atribuições familiares é agenda importante para reduzir desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Dados do IBGE mostram que mulheres dedicam o dobro do tempo dos homens aos afazeres domésticos e cuidados com pessoas. Com isso, cumprem jornadas menores e têm menos oportunidades de ascensão a melhores cargos e salários. Regina chama atenção para a necessidade mudanças tanto nos benefícios trabalhistas quanto na rotina dos lares: “Os homens precisam fazer a parte deles. Isso envolve uma mudança de cultura nas políticas públicas, nas empresas e nas famílias”.
Igualmente importante é incorporar ao debate a informalidade. Na Pnad Contínua de agosto, o IBGE constatou número recorde de trabalhadores sem carteira assinada (11,8 milhões) e conta própria (24,3 milhões). Os dois grupos somam quatro de cada dez pessoas ocupadas no país e estão à margem dos benefícios da licença-maternidade/paternidade e do afastamento por doença. A precarização alcança principalmente mulheres e negros, maioria entre desempregados, sem carteira, autônomos e mal remunerados. “Se as privilegiadas pelo emprego formal já levam desvantagem no mercado, maior ainda é a vulnerabilidade das demais. O país precisa estruturar modelos de proteção a essas mulheres e crianças”, recomenda a gerente da ONU Mulheres. É urgente.