O Cine Odeon, um dos cinemas de rua mais conhecidos e históricos do Rio de Janeiro, localizado no centro da cidade e com capacidade para 550 lugares, ficou pequeno para receber uma noite histórica: o debate “Mulheres negras na resistência e mobilização por direitos humanos”, que marcou o lançamento do relatório anual da Anistia Internacional, “O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2016/17”.
Para o debate do lançamento, uma mesa composta só por mulheres negras e com diferentes trajetórias que marcam a luta pelos direitos humanos no Brasil: Jurema Werneck, Djamila Ribeiro, Vilma Reis, Marion Gray-Hopkins, Shackelia Jackson, com mediação de Sueli Carneiro e Ana Paula Lisboa como mestre de cerimônia. Na platéia, muitas e muitos outros protagonistas: mães e familiares das vítimas da violência policial e que estão, diariamente, na linha de frente da mobilização por justiça.
Jurema Werneck, fundadora da ONG Criola, abriu a mesa no seu primeiro evento como diretora executiva da Anistia Internacional, e falou sobre o que é ser mulher negra no Brasil e sobre sua trajetória desde a faculdade de medicina, até o dia de hoje, à frente de uma organização internacional. Depois de dizer que todas e todos aqueles que estavam ali na mesma luta fazem parte de sua família, destacou a força das mulheres negras para seguir em frente.
“Ser mulher negra no Brasil é enfrentar todo dia a necessidade de confrontar o peso e a força desse inimigo chamado racismo. Este inimigo chamado sexismo. Este inimigo chamado pobreza e exclusão. (…) É ter seu filho morto e não esmorecer. Enfrentar a dor, a luta cotidiana, mas sabendo da dor do sofrimento da luta é pensar em uma nova alternativa.”
Marion Gray-Hopkins é mãe de Gary Hopkins Jr, um jovem de 19 anos que foi morto pela polícia dos EUA. Durante sua fala, ela narrou o dia da morte de seu filho, assassinado enquanto voltava para casa, depois de uma festa e acompanhado dos seus amigos. Marion, determinada a dar continuidade a sua luta por justiça e ajudar outras mães que sofreram a mesma dor, criou a organização “Coalition of Concerned Mothers” (Coalizão de Mães Preocupadas) para fornecer suporte às mães que perderam seus filhos pela ação da polícia e violência nas comunidades. Ela chama a todas essas mães, dos EUA, Brasil, Jamaica e outros do mundo a estarem sempre juntas e mobilizadas.
Vilma Reis, com ampla experiência na luta contra o encarceramento em massa da juventude negra e periférica, é socióloga e ouvidora geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia. Durante toda a sua fala, nos remete a grandes nomes da história do movimento negro no Brasil e no mundo, como Lélia Gonzales, Ângela Davis, Carlos Mariguella e Ana Maria Gonçalvez. Ela comoveu a platéia e convocou todos e todas a resistirem contra retrocessos. “Senhores do século XIX querem governar o mundo no século 21, mas nós não vamos deixar!” , afirmou.
“Quando a bala chega em nosso corpo, o racismo e o sexismo já nos atingiram” , destacou Vilma, que fez duras críticas ao racismo nas instituições, à intolerância religiosa e ao conservadorismo, e foi aplaudida de pé pelo auditório.
“A nossa dor vai muito além da barreira dos idiomas. Àqueles que estão aqui, isso é um chamado para ação”. Com as galerias lotadas, olhos e ouvidos acompanhavam atentos a história de Shackelia Jackson. Seu irmão, Nakiea, foi morto pela polícia Jamaicana aos 27 anos. Ele recebeu dois tiros dentro de seu próprio restaurante que acabava de inaugurar. Além de falar sobre a necessidade urgente de agirmos para transformar a realidade, Shackelia mostra como Jamaica, Brasil e Estados Unidos são semelhantes quando falamos de violência policial e sobre o assassinato de homens negros e pobres. A violação de direitos humanos ultrapassa fronteiras e a solidariedade internacional é o primeiro passo para a mobilização global por direitos.
Djamila Ribeiro fez a última fala do dia e perguntou à todos: “quem são aqueles que não tem o direito à cidade?” A mestre em filosofia política falou sobre as diversas violações de direitos que acompanham a vida da população negra e que pensar políticas públicas para a cidade é, necessariamente, pensar as condições de vida dessa população. “Não dá para fazer nenhum debate sem falar de racismo, que é estrutural e estruturante”.
Sueli Carneiro, fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra e integrante do Conselho Consultivo da Anistia Internacional foi a mediadora dos debates e ao final de cada fala, trazia mais acúmulos:
“São mulheres negras que falam em nome de vítimas, são mulheres negras que falam por si mesmas, são mulheres negras que falam por todos e todas nós. Elas carregam em seus corpos as marcas e os estigmas das múltiplas formas de opressão e por isso mesmo são também e ao mesmo tempo portadoras dos requisitos indispensáveis para emancipação de todas e todos nós”