“Descansa militante!”, a conversa de quem naturalizou o racismo

A luta pela igualdade de direitos é um compromisso para toda a vida, não um emprego de verão. O universo moral não se inclina para a justiça a menos que seja aplicada pressão.

         −Kareem Abdul-Jabbar

De vez em quando aparecem privilegiados escrevendo nas minhas redes sociais “descansa militante!”, mas não dou a mínima importância para eles. Não mudo o meu comportamento crítico por causa dessas pessoas, na realidade sou daqueles que compartilham da mesma opinião da escritora Alice Walker “o ativismo é o meu aluguel para viver neste planeta”.  Amigos e conhecidos também reclamam da minha insistência em colocar a discussão racial em quase todas as nossas conversas. Até na sala de aula sigo firme no debate, apesar de atuar como professor em um ramo de tecnologia, que, em tese, não dialoga diretamente com as questões raciais.  Mas, antevendo a possibilidade dos estudantes trabalharem como gestores, empresários e líderes e tenham que julgar pessoas negras (promoção profissional, recrutamento etc.), complemento o aprendizado com questões antirracistas, mesmo porque são temas que servem para toda a vida. E recomendo as pessoas do meu círculo a agirem da mesma forma. Falem. Reclamem. Denunciem. Questionem. Eduquem. A vida dos negros é muito dolorosa para que não seja a pauta principal no cotidiano. Basta de sermos notados somente quando ocorrem tragédias que levam a comoção nacional. Lembremos das palavras do revolucionário Malcolm X  “Quando as pessoas estão tristes, elas não fazem nada. Elas apenas choram por causa de sua condição. Mas quando ficam com raiva, elas provocam uma mudança”. ´

O pensamento “desde que o mundo é mundo”, no sentido da impossibilidade de superação do sistema racista, deve ser ignorado. A história nos ensina a possibilidade de mudanças quando há convergência de ideias e organização dos que sofrem a opressão. Veja a abolição da escravidão no Brasil (1888), ela foi resultado de incansáveis lutas dos escravizados que sufocaram a continuidade do sistema escravagista. Outro exemplo ocorreu com a Revolução Haitiana (1791−1804); a insurgência dos escravizados culminou com que o Haiti se tornasse na primeira república negra do mundo. Portanto, as pessoas devem perceber que a liberdade existe por causa de consciências inquietas e radicalizadas. Essas consciências não esperaram que os anseios coletivos, diante da crueldade do sistema, fossem concretizados naturalmente ou caíssem dos céus.

Reconheçamos a situação caótica que nos coloca entre a vida e a morte. Uma morte que pode ocorrer repentinamente como produto da violência, ou lenta pela ausência de condições básicas de sobrevivência. Lutemos para conquistar uma vida em que a justiça social esteja ao alcance de todas as pessoas independente da cor da pele. Não concorde com a naturalização do racismo. Para aceitar esse monte de pessoas negras passando fome, assassinadas, amontoadas no sistema carcerário, nas periferias, ou sobrevivendo miseravelmente em locais abertos (ruas, praças, viadutos), só se estivermos em estado de putefração da alma. Mas se não chegamos nesse ponto, não precisamos de tempo para descansar, muito menos de fazer concessões que resultem em nosso silêncio.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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