“Desigualdade social não é muito diferente hoje”, diz Mariana Nunes, de “Liberdade, Liberdade”

No ar como a escrava Blandina, na trama das 23h, Mariana Nunes diz que personagem remete aos seus antepassados: “É uma história da qual faço parte”

Por Paula Mello

Mariana Nunes, de 35 anos, interpreta em “Liberdade Liberdade” a escrava Blandina, que serve Dionísia, vivida por Maitê Proença. À Marie Claire, a atriz disse que apesar da história se passar em 1800, ela pode ser comparada com o Brasil atual. “A desigualdade social que o país vive não é muito diferente da época retratada na novela. Acho que a realidade é bastante inspiradora para atuar numa obra como esta. Não estou falando deste momento político que vivemos, mesmo sendo difícil separar uma coisa da outra. Estou falando da desigualdade social que acompanha o Brasil desde esses tempos.”

Em entrevista, a atriz afirmou que essa é um papel difícil e explicou o porquê. “Como uma mulher negra, contemporânea, estar representando uma personagem submissa é difícil.”

“É também um retrato histórico, a escravidão existiu no Brasil. Não tem como eu contar a história dos meus antepassados e não ser remetida a algo pessoal. A minha bisavó é filha da lei do ventre livre, ou seja, a mãe dela foi escravizada. É uma história da qual faço parte.”

PADRÕES DE BELEZA
Várias atrizes ficaram sem se depilar por causa dos personagens e Mariana contou que também tem evitado a depilação, mas garante que isso não é um problema. “Acho que nós, mulheres, vivemos uma rigidez muito grande no padrão de beleza. Outro dia eu estava vendo numa rede social uma polêmica sobre depilação, não lembro nem qual era o caso exatamente, mas chegaram a falar que uma mulher não se depilar é falta de higiene. É tão natural ter pelo. Dizer que uma coisa natural é nojenta para mim não faz sentido. Eu vivo bem com os meus pelos se for preciso.”

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CARREIRA NO CINEMA
Mariana já fez muitos trabalhos no cinema, como “O Homem Mau Dorme Bem”, “Febre do Rato” e “Alemão” – só para citar alguns. Ela disse que foi um caminho natural. “Comecei no teatro em Brasília e lá fiz muitas peças. Mas o cinema acabou acontecendo. Sempre tive vontade de fazer, mas pensava mais em TV no começo da carreira. Depois que fiz meu primeiro filme, não parei mais. Os filmes vão sendo lançados e as pessoas vão te enxergando mais como atriz de cinema e te convidando para outro trabalhos.”

Mais um dos seus trabalhos no cinema é no filme “Pelé – The Birth of a Legend”, em que ela interpreta Celeste Arantes, mãe do mito do futebol. “O filme é muito bonito. Conta a história de uma família bem simples, pobre, negra, brasileira que passa necessidade e que precisa sobreviver. A mãe tem uma resistência no começo com a carreira do filho porque o pai do Pelé, interpretado pelo Seu Jorge, também foi jogador de futebol, se machucou e teve sua carreira interrompida, então ela não queria muito que o filho seguisse esse caminho.”

O longa, filmado no Rio, é uma produção americana e já estreou nos Estados Unidos. No Brasil a previsão é para segundo semestre. A atriz contou que foi a primeira vez que atuou em inglês. “Acho bastante difícil. Já falava inglês, mas não tinha tanta fluência. Tínhamos muita ajuda, um dialect coach estava comigo direto.” Mariana não descarta a possibilidade de seguir umacarreira no exterior. “Se surgir uma oportunidade, eu tentaria, sim.”

Questionada se acha que hoje ainda existe resistência em colocar negros em papéis de destaque ou em posições de personagens bem-sucedidos, Mariana acredita isso é um reflexo da sociedade. “É muito arraigado como as pessoas enxergam os negros. Elas estão muito acostumadas – mal acostumadas – a enxergá-los em posições inferiores e não em uma posição de destaque, de chefia… Isso infelizmente resvala nas obras de ficção”, afirmou. “Numa novela de época é natural que os negros sejam escravos pela época que é retratada. Mas as pessoas não pensam que naqueles tempos já existiam negros livres, que eles já estavam se articulando e tentando de alguma forma acabar com a escravidão, revoltas já aconteciam.”

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No cinema, ela acredita que a diversidade não é muito diferente. “Você conta nos dedos as mulheres negras que ocupam um papel no cinema brasileiro ou que têm papel de destaque numa produção. Acho que são poucas as oportunidades que os atores negros têm. Num filme as mulheres negras estão fazendo o quê? São empregadas… Por estar em 2016 desse jeito acho que ainda estamos um pouco atrasados.”

RACISMO
Mariana falou sobre racismo e disse que o problema no Brasil é principalmente o racismo é institucional. “Não afeta a mim, Mariana, que estou aí com a minha carreira, batalhando, mas afeta a grande massa, os pobres do Brasil que em maioria são pessoas negras, são elas que sofrem”, disse. “O racismo institucional é não ter uma pessoa negra em universidades antes das cotas. Nem na sala de aula, nem no banco dos professores, só na faxina. Ou quando eu vou num restaurante na zona sul do Rio jantar com o meu namorado ou numa festa com os meus amigos e sou a única negra. Num restaurante, por exemplo, os outros negros que estão no ambiente estão me servindo, varrendo o chão ou na cozinha.”

E completou: “O grande passo é a representatividade. As pessoas precisam acostumar o olhar delas a enxergar os negros em diferentes posições na sociedade. É preciso costumar o olhar das crianças, para elas crescerem vendo que negro não é só empregada e babá delas.”

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