Dilma, estamos cansadas

Na quarta feira dia dois de dezembro, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Então a nossa presidenta fez um pronunciamento sobre tal tentativa de golpe, e me chamou muita atenção um fato: Dilma está cansada.

Por Stephanie Ribeiro, do Imprensa Feminista

Abatida e mais magra, em seu discurso garantiu que lutara para manutenção do seu mandato. Depois disso inúmeras opinião foram dadas em inúmeros veículos midiáticos, inclusive nas redes sociais. Uma que se destacou dada por um homem de esquerda na minha timeline foi: O PT não pode se vitimizar pelo que está acontecendo.

Independente das críticas que possam ser feitas ao PT, é surreal pressupor como o Brasil está agindo com essa mulher desde que ela começou a governar. Por isso acredito que o partido não possa se vitimizar, mas Dilma tem sim todos os motivos para isso. Nem seria uma questão de vitimização, ela provavelmente não aguenta mais essa situação de ódio. E antes que comecem os argumentos para justificar isso, não preciso lembrar que mesmo sendo a presidenta nem tudo é culpa dela.

Eu mesmo fico exausta com a ignorância das pessoas que culpam a Dilma até pelo que aconteceu nas novelas Globais. Não acredita? Comece a ler comentários em notíciais de sites dos mais diversos assuntos. E verá que a Dilma é culpada até pela unha do dedão do pé encravado do vizinho do apartamento 72, do prédio amarelo de alguém.

É comum no Brasil a gente culpar as pessoas que elegemos, por tudo que não nos agrada. Mesmo que esses atos se intensifiquem (e muito!) quando se trata do PT, porém mulheres carregam mais culpas que qualquer outra pessoa. Karina Schumann e Michael Ross, ambos da Universidade de Waterloo no Canadá, fizeram uma pesquisa sobre o porque mulheres pedem mais desculpas que homens, o resultado foi que não são os homens que relutam em se desculpar, e sim as mulheres que o fazem mais vezes do que a média.

Pedimos mais desculpas pois: Acreditamos que estamos ofendendo as pessoas, mesmo quando não estamos. Acreditamos que fizemos algo errado, mesmo quando não fizemos. Acreditamos que nossa presença seja um problema, porque fomos ensinadas assim. O patriarcado por meio da culpa, age tentando nos disciplinar e isso é cruel.

Uma mulher que não se submete é: Vadia, vagabunda, puta, louca, maldita!

A Dilma recebe todas essas ofensas mesmo antes de assumir seu primeiro mandato, ou seja, mesmo antes de mostrar seu desempenho no governo. Com o tempo a mídia e os cidadões continuaram enfatizando seus discursos de ódio, inclusive nos debates de 2014. Especulações sobre sua sexualidade, por exemplo, são comuns nas rodinhas de conversa. Dilma é “masculina” demais para as pessoas, então a taxam de lésbica. Não existe vergonha nenhum em ser lésbica, mas existe um problema enorme numa sociedade que persegue uma presidenta chamando ela de “sapatão”, pois supostamente ela não corresponde ao padrão de feminilidade imposto.

Em seguida vieram as críticas ao seu peso, mesmo em sua posse ela não se livrou de críticas maldosas sobre seu corpo, que foram dadas inclusive por veiculos midiáticos de respeito. A gordofobia que ela sofreu, resultou na nossa presidenta fazendo uma dieta visando perder peso. É muito cruel imaginar que uma mulher de quase 70 anos tenha feito uma dieta drástica, segundo alguns sites, para perder 15 kilos. E isso não é só culpa da sociedade gordofobica, e sim de como as pessoas sempre arrumam um motivo para implicar com a Dilma.

Dilma passou pela tortura, venceu um câncer e está agora na sua missão mais complexa: vencer a misoginia. Seu dois mandados já são os mais revolucionários em um quesito: Eles mostram para o mundo que o Brasil odeia suas mulheres.

Para alguns é absurdo imaginar uma mulher comandando o país, por isso é preciso derrubá-la, na autoestima ou literalmente. Afinal para esses alguns que pensam baseados nos seus privilégios da elite, ou seguindo esses preceitos mesmo sendo das classes C e D, é inadimissivel que o operário Lula foi do chão da fábrica para á presidencia de forma limpa e aclamada.

Se dói ainda isso, imagina a dor e sofrimento de ver uma mulher vencer duas vezes as eleições?

Não a toa que as ações de ódio se intensificaram neste segundo mandato, e não é por insatisfação política. Afinal os cartazes das marchas contra Dilma, não dizem nada relevante.O que tem que ser dito para ela em relação ao seu governo, não vai vir da boca de quem marcha pedindo ditadura militar ou tirando foto com a PM.

Atos como seu rosto sendo usado em imagens obcenas, que insinuavam estupros, mostraram o quão sórdito vem agindo os odiadores de presidenta. Algumas pessoas inclusives chegaram a dizer que ela merecia uma agressão sexual. O estupro é o ato mais cruel que uma mulher pode sofrer, é quando a sua escolha é vista de forma tão insignificante que ela pode ser posta de lado por quem se julga superior. Não se deseja estupros para ninguém, muito menos para uma senhora eleita de forma justa, mesmo que essa escolha não te agrade.

O que fica claro é que a irresponsabilidade nas atitudes da direta brasileira não ficam só no congresso.

Dilma aparenta estar cansada, assim como eu estou. Assim como todas as mulheres brasileiras devem estar.

Salários mais baixos, maiores carga horário de trabalho, tarefas domésticas, e no caso das negras racismo. Vão criando um dia a dia exaustivo para nós em ambientes de trabalho e estudos. Tudo se completa quando ainda sofremos violências psicologicas nesses espaços.

“Você não é boa o bastante.”

“Você não sabe o que está fazendo.”

“Feia, incompetente, burra!”

São frases que vão entrando em nossas cabeças e criando limitações. Não é simplesmente acreditar no que dizem, é sucumbir a mais uma pressão num mundo onde mulheres sofrem diversas. O resultado são doenças como depressão.

A violência psicológica, assim como a física, mata e incapacita. Por isso vamos levar ela mais a sério! Dilma está resistindo e sendo forte. Mas precisamos mais que lutar por um país que não ceda ao golpe, precisamos lutar também por um país que aceite mulheres ocupando espaços tidos como masculinos. Seja na política, ou em qualquer função no mercado de trabalho.

A presidenta foi eleita pela maioria da população e espero realmente que ela continue. Porém se fosse possível queria lhe dar um abraço, de mulher para mulher. Apenas para que ela se sentisse em algum momento confortável. É realmente muito grave tudo que está se passando, falo de tudo isso, não só da abertura de um processo de impeachment uma desqualificação da sua capacidade de governar. Eu tenho muita empatia com essa senhora, com sua história e principalmente sei separar as críticas que faço a sua gestão, com críticas pessoais que possam ferir seus sentimentos.

O jeito de fazer política no Brasil precisa se reinventar. E isso não está na mão das pessoas que rodeiam Dilma: homens, brancos e de classe média. E eles sabem disso.

Precisamos de mais mulheres no comando. E somos sim, cada vez mais capazes para cumprir essa missão, doa a quem doer.

 stephanie

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