Por: Fátima Oliveira
As disputas ideológicas do governo Dilma estão na mesa
Elegemos uma presidente 78 anos após a conquista do voto feminino. A manchete do “The Independent” foi significativa: “Brasil elege Dilma Rousseff para ser a mulher mais poderosa do mundo” e justificou: “A taxa de crescimento do Brasil, rivalizando com a China, é algo que Europa e Washington podem apenas invejar”. A matéria finaliza afirmando que a posse dela “Será uma celebração da decência política e do feminismo” (31.10).
A presidente eleita “catimbou”, com paciência de Jó, para fazer o primeiro pronunciamento à nação, esperando o candidato derrotado, como é de praxe em todas as democracias, falar antes, reconhecendo a derrota. E aqui cabe bem o “nunca antes” no mundo, algo similar aconteceu! Cansou de esperar o ritual e, para não deixar o país refém do tacão da espora machista, falou antes do derrotado.
Depois da campanha sebosa, não tendo como negar a vitória de Dilma, a demora do vencido em reconhecê-la nem precisa de Freud para explicar. O derrotado postulante a vice, numa versão tacanha de perdedor sem linha, disse que concorreu com Lula e, não, com Dilma! Para ele, a “poste” não era candidata e nem se elegeu! É uma lastimável tentativa de minimização da vitória da presidente eleita que insulta qualquer nesga de inteligência. É elementar que ela venceu porque teve mais votos!
Essa gente insiste em discordar de que na República todos os votos valem igualmente e toca a inventar versões estapafúrdias – decorrentes da falta de civilidade, com recheio de altas doses de machismo. São acenos que nos próximos quatro anos teremos muito mais do mesmo, a partir da misoginia, naturalizada pelo modo em que o serelepe opositor insistia em chamá-la de mentirosa, ao vivo e a cores, sem constrangimento – aquela antiga pouca vergonha que só machistas se permitem diante de uma mulher!
Para Marcos Coimbra, “na política, nem sempre os fatos e as versões coincidem… Nenhuma versão muda o resultado, mas pode fazer com que o interpretemos de forma equivocada. Como consequência a reduzir o seu significado e lhe diminuir a importância” (“Três mitos sobre a eleição de Dilma”, 31.10).
As intelectuais do feminismo brasileiro são instadas ao enfrentamento da batalha ideológica em curso, pois, mesmo Dilma não sendo feminista (nunca se declarou como tal), aos olhos do mundo, uma mulher com a sua história de vida é feminista. Em sua primeira fala ao país, disse que seu primeiro compromisso é honrar as brasileiras e que sua eleição repercutirá positivamente na vida das meninas. Falou. Fará o gesto?
As disputas ideológicas do governo Dilma, agora com vestes de busca de cargos, estão na mesa e serão cotidianas. A conjuntura é “Se correr, o bicho pega e se ficar, o bicho come”. Depois de vencida a batalha contra a transformação das eleições num “leilão de ovários”, cabe ou não ao feminismo dar o ar de sua graça, além do que é certo que qualquer insucesso será creditado à incapacidade das mulheres de governar?
Para além da cultura do gueto, é preciso estofo político para superar o estabelecido do “com pouca farinha, meu pirão primeiro”. Feministas petistas e dos partidos aliados, conjuntamente, não podem, diante do cordão masculino de isolamento no entorno da eleita, “amarelar” na disputa de espaços estratégicos, segundo uma ótica feminista, com duplo objetivo: dar sustentação ideológica feminista e impulsionar a concretização dos direitos das mulheres no governo.
É isso, ou apaguemos nossas lamparinas.
Fonte: Viomundo