Por Marcelo Hailer
Brunno Almeida Maia faz parte da nova geração de dramaturgos de São Paulo que foge do lugar comum e visa criticar o momento vivido. Há mais de dez anos trabalhando com teatro, já fez parcerias com o também dramaturgo Alberto Gusik (1944-2010), que teceu elogios quando Maia adaptou para o teatro a obra “O Anticristo”, de Friedrich Nietzsche.
No próximo dia 18 (sábado), Brunno Maia lança, no Espaço Parlapatões, o livro “O Teatro de Brunno Almeida Maia”, que reúne dois textos do autor: Imuno e Tristes Lembranças. Ambos os textos tratam de questões que conversam entre si: a busca por novas revoluções (ou não), as heranças das épocas totalitárias, o corpo e sua glamourização.
A seguir, você confere uma rápida conversa com o autor sobre as suas peças, filosofias e política.
SpressoSP – Na peça Imuno você trata de um retorno da reivindicação dos desejos libertários de 1968, também faz referência a uma multidão abjeta e de um delírio coletivo como ferramenta para libertação. O que você quer dizer com isso? Falta libertinagem em nosso tempo?
Brunno Almeida Maia – É necessário entender o sentido da palavra libertinagem. Se entendermos libertinagem, aqui, dentro da literatura do século XIX – penso em Marquês de Sade e nos contos eróticos –, acredito que atualmente este sentido de um Eros e Tânatos, que é, ao mesmo tempo, vida e morte, deslocou-se paras outras esferas, como a da criação, da literatura e das multidões que reivindicam seus direitos em plenas ruas-dinamites. Libertinagem, em minha leitura, nunca esteve somente ligada ao ato sexual em si. Na realidade não é reivindicar um retorno aos desejos libertários de Maio de 1968, o que historicamente soaria estranho, mas entender a descontinuidade de uma época. Como em duas décadas, pós regimes nazifascistas, foi possível surgir uma sociedade do contato corporal, da libido, do retorno da figura de Dionísio e da poética da delicadeza? No sentido oposto, o que herdamos, ainda, dos regimes totalitários? Estariam eles nos silêncios das nossas relações? A moda, na época, com o estilista Yves Saint Laurent, percebeu isto, ao levar a alta costura (dedicada às elites) para as ruas (dedicada aos jovens). E claro, a imagem necessária para este jogo político e estético era de uma brisa no rosto, cabelos ao vento e muita liberdade. A hipótese que trabalho, por meio da narrativa dramatúrgica, é a do surgimento, em plena década de 80 (queda do Muro de Berlim), quando ainda estávamos no delírio e na ressaca, de algo terrível como o vírus HIV. Entenda, não quero levantar a ideia – por mais suspeita que ela seja – de que as doenças são provocadas em laboratórios por grandes oligopólios. Existem estudos e grandes pesquisadores que se ocupam disto. A poesia do teatro, como da filosofia, reside no espanto. É preciso deixar a plateia ou o leitor com essas suspeitas. É como se disséssemos: A transgressão em nosso tempo reside no cínico ato da desconfiança.
SpressoSP – Em Tristes Lembranças você conta a história de Dionísio, um escritor fracassado que se torna famoso em uma experiência de morte-vida e levanta o questionamento: o que estamos fazendo de nós de mesmos? Vivemos uma distopia?
Maia – É uma ironia! Um escritor “fracassado”, que busca na própria vida e no corpo, uma narrativa, nos tempos onde as histórias cotidianas são escritas e lidas em outros corpos – como os das máquinas das tecnologias. Não há demérito nem juízo de valor, apesar de todas as ressalvas que podemos encontrar, mas pergunta-se: que novo homem é este que nasce com a vida plenamente mobile e conectada em redes sociais? Como ficará o abraço, a felicidade, o riso, o olhar, o amor, o sexo, após estas experiências? O problema é de ordem filosófica e existencial. No entanto, não sou um pessimista, e não lido bem com a ideia de Bauman, jogando todas as relações para a liquidez. Existem coisas bonitas e duradoras acontecendo por aí… Parece-me que há uma angústia no ar, depois de tantas correntes espirituais de desapego, para reencontrar algo de permanente na Terra. O que me interessa saber é como a economia, a política, o judiciário, as relações de poder mudarão com a entrada deste homem na biovirtualidade. Talvez seja uma hipótese longínqua, mas o teatro sempre refletiu, desde os primeiros cantos para Dionísio, sobre a condição humana.
SpressoSP – Em ambas as peças você trabalha com referências que vão de Foucault à cultura pop e tendo o corpo como referência. O corpo é um campo de batalha?
Maia – Um campo que faz a batalha, que faz o poder (que é dinâmico) acontecer. No fundo, apesar de todos os discursos do ocidente para a valorização da alma, em detrimento do corpo, quem sempre foi objeto de atenção foi a corporeidade. Não é à toa que a história do ocidente cristão, parte dele, nasce com o desaparecimento de um corpo, o de Cristo. A cultura pop, pensando desde Andy Warhol, percebeu isto em nosso tempo. Warhol sabia decifrar que o nosso estado era o da aparência, dos sentidos (ele e sua entourage se entregaram a isto), do corpo que aparece, do corpo que transgride, do corpo que interdita. Depois, as artistas do ideário pop – penso na Madonna, no George Michael, na Lady Gaga atualmente, entre outros – que entenderam que o corpo comunica de forma imediata. Não há nada novo aí… A dança, o teatro e as manifestações culturais e religiosas que se utilizam do corpo sabem que ele é não somente um campo de batalha, mas a beleza que transgride o tempo e as formas clássicas de pensamento, seja artificialmente ou “naturalmente”. Ressignificar este corpo é deslocar o pensamento.
Serviço:
Lançamento ”O Teatro de Brunno Almeida Maia”
Dia: 18 de janeiro de 2014 (sábado)
Horário: Das 16h30 às 19h30
Local: Espaço dos Parlapatões – Praça Roosevelt, 158, Centro, São Paulo – SP.
Tel.: (11) 3258-4449
Fonte: SPressoSP