É preciso mostrar a violência da escravidão, diz diretor de 12 anos de escravidão

Silas Martí,

Quando decidiu fazer “12 Anos de Escravidão”, o cineasta britânico Steve McQueen, 44, queria sanar uma lacuna na filmografia sobre o tema, lembrando que há mais filmes sobre o Holocausto do que sobre os negros escravizados nas Américas.

Mas acabou apontando também uma ausência marcante nas estatísticas de Hollywood ao se tornar um dos primeiros negros com chances reais de levar o Oscar de melhor diretor, uma categoria que teve só dois outros negros indicados até agora.

“É um filme sobre onde estivemos, onde estamos e para onde vamos nesse debate sobre raça”, diz McQueen, em entrevista à Folha. “É incrível ser indicado ao Oscar, e tenho orgulho de ser um diretor negro ali. Mas, além desse dado da minha cor, estou feliz que o filme seja reconhecido pelos meus pares.”

De fato, é grande a febre em torno do longa, que tem pré-estreia hoje em São Paulo. O filme, vencedor do Globo de Ouro de melhor drama e indicado a nove estatuetas no Oscar, vem arrancando elogios rasgados da crítica e liderou as bilheterias do Reino Unido.

Baseado na história real de Solomon Northup, negro livre do norte dos Estados Unidos que foi sequestrado e vendido como escravo a fazendeiros do sul em 1841, “12 Anos” parece ter virado o filme definitivo sobre o horror infligido aos negros. E McQueen não pegou leve nas cenas de tortura.

“Dizem que o filme é brutal, mas estou contando uma história sobre escravidão.É preciso mostrar a violência, não só física, mas psicológica também”, diz o diretor. “E isso se aplica muito ao Brasil, onde a escravidão deixou um grande legado. Todos que virem o filme devem se confrontar com o próprio passado.”

Nesse ponto, McQueen parece ter deixado de lado a ousadia estrutural de filmes anteriores, como “Fome” (2008) ou “Shame” (2011), para arquitetar uma narrativa mais crua e convencional, de longos planos de tom realista.

 12 Anos de Escravidão 

Cena do filme "12 Anos de Escravidão", ganhador do Globo de Ouro de Melhor Filme
Cena do filme “12 Anos de Escravidão”, ganhador do Globo de Ouro de Melhor Filme

 Muito do impacto de seu filme se alimenta também do atual momento histórico, com um negro na presidência dos Estados Unidos, e dos aniversários de 150 anos da abolição da escravidão no país e de 50 anos da marcha a Washington na luta pelos direitos civis dos negros.

Também tem a ver com a força do elenco, em especial de Chiwetel Ejiofor, que vive Solomon Northup. Sua atuação, que alguns críticos chamaram de “minimalista”, traduz a imagem do sofrimento, o que McQueen explica como tentativa de atingir um “tom formal rebaixado”.

Não é uma novidade para o diretor que, antes de se firmar como cineasta, trilhou carreira sólida nas artes visuais. A austeridade parece atravessar toda a sua obra.

Depois da indigestão provocada pela mistura de gêneros de “Django Livre” (2012), de Quentin Tarantino, que dividiu a crítica ao retratar a vida de um escravo num faroeste, “12 Anos” surge como um antídoto, sinalizando que o assunto talvez esteja fresco demais na memória para ser parodiado.

“Encontrei o Tarantino em Nova Orleans e conversamos muito sobre os dois filmes”, conta McQueen. “Achei ótimo o filme dele. E ele disse esperar que o meu possa ir além de um faroeste.”

Fonte: Folha de São Paulo

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