Eliane Dias: “Fiz minha filha aprender karatê para nunca apanhar de homem”

Enviado por / FontePor Mariana Gonzalez, do UOL

Quando Eliane e Domenica Dias, 21, dizem querer algo, ninguém consegue fazê-las mudar de ideia. Esta é só uma das características que mãe e filha compartilham. Juntas, a filha atriz e a mãe empresária dos Racionais MC’s, advogada e ativista, abriram em 2020 as portas da Yebo — marca feminina de streetwear que, não por acaso, foi batizada com uma expressão afirmativa africâner — língua falada na África do Sul e na Namíbia — equivalente a “yes” (sim).

Essa não é a primeira vez que elas trabalham em família: Eliane gerencia a carreira do marido, Mano Brown, e do grupo Racionais MC’s; Domenica já teve uma marca de roupas com o irmão mais velho, Jorge, 24.

As duas, que vivem em São Paulo, foram convidada pelas marcas de moda esportiva Nike e Authentic Feet para participar da campanha Geração Zika, que reúne mulheres inspiradoras e pioneiras em suas áreas, falou a Universa sobre os desafios de trabalhar em família, os rumos que acreditam que a moda deve seguir (e que guiam a Yebo) e a educação feminista e ao mesmo tempo voltada para os negócios que Domenica recebeu de Eliane desde pequena.

“Eduquei meus filhos para serem donos dos próprios negócios”

O fato de Domenica estar comandando o segundo negócio próprio aos 21 anos não se deve apenas ao talento da jovem, mas também à criação com um olhar para o empreendedorismo que recebeu da mãe, Eliane: “Eduquei os meus filhos para serem donos dos próprios negócios, para gerirem a vida deles e a carreira também”.

Quando passamos por uma fase de crise em uma empresa, as primeiras demitidas são as mulheres negras; depois, os homens negros. Sendo ativista e sabendo que o Brasil é um país racista, entendo que, para a proteção deles, é mais seguro ter o próprio negócio. Se um dia decidirem trabalhar para alguém, de carteira assinada, tudo bem, mas saberão se virar sozinhos.

Outra preocupação de Eliane com a criação dos filhos foi garantir que Jorge não desrespeitasse mulheres. E que Domenica, por sua vez, soubesse se defender:

Meu filho foi educado para não ser machista e minha filha foi educada para não ser submissa, para não apanhar de homem nenhum. Fiz a Domenica praticar defesa pessoal, hoje ela é faixa marrom em karatê.

Mas Domenica não é a única que sai com aprendizados desta relação. Eliane é enfática ao dizer que recebe lições da filha desde que ela nasceu: “Se eu ficar com a Domenica todos os dias, aprendo algo novo”.

“Uma das maiores lições que ela me ensinou é que eu sou mãe, mas não sou dona dela. Desde pequena, ela chegou cheia de atitude, então aprendi a respeitar os limites. Assim como eu respeito o dela, ela respeita o meu.”

“É desafiador separar a vida pessoal da profissional”

Eliane e Domenica dizem que “é desafiador separar a vida pessoal da vida profissional”.

“Fico mais leve e segura trabalhando com pessoas em quem posso confiar, portanto, nossa rotina de trabalho é de extrema confiança. Existem problemas, claro, como em toda sociedade, mas discutimos e resolvemos”, diz a mãe. A filha completa: “Na relação familiar, as liberdades são outras, então, tem que virar a chave do ‘estou trabalhando agora’. É um desafio, mas estamos criando o nosso método de fazer isso acontecer de uma forma saudável e que nos deixe desgastadas.”

Domenica conta que uma situação comum na rotina delas é uma levantar um assunto de trabalho no café da manhã, por exemplo, e a outra responder: “Não começa agora não, calma, agora não é hora de trabalhar”.

“A gente se perde porque não consegue definir muito bem uma rotina de horário de trabalho. Tanto eu quanto ela fazemos muitas coisas ao longo do dia e às vezes mal conseguimos nos esbarrar para conversar. O tempo que temos para estar juntas, acabamos aproveitando para falar de trabalho, seja no café da manhã, na hora da janta ou até de madrugada.”

“Correria, calo no pé e dor nas costas”

Eliane Dias explica que a Yebo nasceu a partir de uma falta que ela e Domenica sentiram na prática no mercado da moda:

Quando queríamos vestir uma roupa mais folgada ou mais gostosa, que desse a liberdade de sentar com a perna aberta, por exemplo, tínhamos que vestir uma calça boyfriend, uma camisa do boy. Então percebemos que faltava no mercado uma roupa feita para mulheres, mas pensando no corpo feminino, mas e que viesse com essa pegada boyfriend, streetwear.

Eliane e Domenica estão na campanha Geração Zika, da Nike e da Authentic Feet Imagem: mavo.co/Gustavo Dantas/Divulgação: Authentic Feet

Domenica completa: “É uma roupa que não quer transformar o corpo da mulher em outra coisa, esconder algum detalhe ou deixá-la desconfortável em nome da beleza, da estética. Acho que a diversidade tem a ver com isso: proporcionar conforto para qualquer tipo de corpo, quaisquer que sejam o formato ou as medidas”.

Apesar de ter estudado artes cênicas, Domenica sempre sonhou com uma carreira no mundo da moda — prova disso são alguns desenhos de roupas que ela fez quando ainda era criança e que publicou recentemente no Instagram.

“Lembro de imaginar naquela época o que eu queria vestir quando fosse adulta. Imaginava minha mãe vestindo essas roupas também. Tinha de tudo, desde vestido de festa até roupas fitness”, conta. “É isso que eu faço hoje, na Yebo: crio roupas e acessórios que eu gostaria de vestir.”

“Mas o glamour que eu imaginava quando era criança não existe: é correria, calo no pé e dor nas costas, porque a gente não tem folga nem final de semana. No dia a dia, às vezes nem conseguimos parar para almoçar.”

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