Elza Soares: a voz do feminismo negro representado na canção “Mulher do fim do mundo”

Artigo publicado na revista “Criação & Crítica” analisa os temas interseccionais sobre várias opressões e identidades presentes na obra icônica da cantora

Ninguém esquece: dia 22 de janeiro de 2022 calou-se uma das vozes mais expressivas da música popular brasileira. Elza Soares era dona de um cantar potente, eclético, inovador e único. A cantora se tornou um ícone, aclamada por alguns como a cantora do milênio, não só pelo canto singular, mas pela força, determinação e símbolo de resistência, de combate ao preconceito de raça e de gênero, tanto no campo pessoal quanto no profissional. Ela é uma das mais representativas figuras do feminismo negro. Nas palavras do pesquisador Brito da Conceição, autor de um artigo sobre a cantora na revista Criação & Crítica, em seu canto, Elza Soares quer sempre “demonstrar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres negras no que diz respeito à religiosidade, classe social, origem, sexualidade, etc.”, proposta denominada pelo autor como “interseccional”, interdisciplinar.

Em suas canções, Elza Soares assumia uma postura política “interseccional” na medida em que seu cantar denunciava “as diversas formas e manifestações das subordinações a que as mulheres negras são submetidas”. O autor escolhe como foco de sua análise a canção Mulher do fim do mundo, que mostra o sentimento de libertação do medo e da solidão da mulher negra, segregada na sociedade, mas que encontra na arte um caminho de alegria e liberdade de expressão, mais precisamente, o carnaval, citado na canção, como um símbolo, um atalho “para ser como se é”, para “dizer o que se cala”, nas próprias palavras de Elza.

A análise da canção Mulher do fim do mundo, de Alice Coutinho e Romulo Fróes, é feita a partir da letra, sem levar em conta ritmo ou melodia, por exemplo. Esse foco respalda-se na chamada “teoria da interseccionalidade”, que conta com um aspecto transdisciplinar, ou seja, que permite a elaboração de debates e meios de impedir “a invisibilidade dos problemas de subordinação das mulheres negras”, colaborando com a divulgação e discussão sobre os movimentos sociais, expondo os entraves, impedimentos e dificuldades em relação ao racismo, às opções religiosas, ao machismo, à repressão sexual, possibilitando à mulher negra se apresentar ao mundo com sua própria voz. A canção é ponto de partida para o autor denunciar a invisibilidade e o silêncio impostos às mulheres negras. Nesse contexto, Elza Soares declara: “A construção desse sujeito – as mulheres negras – trouxe maior complexidade e exige o reconhecimento das profundas diferenças culturais nas práticas das mulheres […] A mulher de dentro de cada um não quer mais silêncio”

O artigo também investiga a canção Mulher do fim do mundo tomando por base duas perspectivas: a da mulher negra que fala da solidão, da pele negra, a “mulher do fim do mundo”, e também, nas palavras do autor, a “fuga do texto do silêncio pode ser uma forma de resistir ao silêncio, não se submetendo a ele”, uma forma de resistência, um plano deliberado para possibilitar práticas de escuta entre mulheres, propiciando a manutenção da sororidade entre as feministas, a partir dos pontos em comum entre as diversidades das narrativas propostas por essas mulheres.

Elza Soares representa a luta das mulheres negras, a resistência e a denúncia de preconceitos de toda ordem, não só na canção em foco, mas ao longo de toda a sua carreira, tocando em temas polêmicos em várias músicas interpretadas por ela. A fala libertadora de Elza não pode se calarNa avenida deixei lá, a pele preta e a minha voz, minha fala, minha opinião, a minha casa, a minha solidão joguei do alto do terceiro andar, quebrei a cara e me livrei do resto”. A mulher do fim do mundo é a que grita, que busca, que reivindica, que “sempre fica de pé. No fim, eu sou essa mulher”, declara a cantora, que, na publicação do artigo, ainda estava entre nós. Mas ela continua viva na música, pois, afinal, esta revela a mulher que se impõe: “me deixe cantar”, “eu não estou indo embora […], me deixem cantar até o fim”.

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