Em livro de contos, Chimamanda mostra machismo e racismo em situações cotidianas

Em “No Seu Pescoço”, Chimamanda deixa o leitor imerso no dia a dia dos protagonistas de cada conto, destacando situações que mexem não só com os personagens, mas também com quem os acompanha por meio da leitura

por Monique Santos no IG

Chimamanda Ngozi Adichie é uma escritora nigeriana que começou a fazer sucesso no Brasil após seus discursos no TED Talk , plataforma virtual de uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é disseminar ideias. Uma destas palestras virou o livro “Nós todos deveríamos ser feministas” e trechos deste discurso foram incorporados à música “ Flawless ”, da cantora Beyoncé.

No Seu Pescoço ” (Companhia das Letras, 2017) é o primeiro livro de contos de Chimamanda publicado no Brasil. A obra fala sobre machismo , violência contra a mulher, violência no cotidiano da Nigéria, guerra, racismo explícito, racismo velado, ideal de vida nos Estados Unidos, visão estereotipada que as pessoas têm da África, relação de poder entre brancos e negros, religião, crenças, sexualidade, entre outros temas.

Cada conto aborda mais de um desses temas, todos eles com uma escrita fluida e leve, mas com um conteúdo denso. Muitos sentimentos são despertados em todas as frases, frases estas que terminam com um ponto final, mas que reverberam dentro do leitor como se fossem mil pontos de exclamação. Chimamanda narra situações difíceis com maestria, tornando palpável o ambiente descrito em cada história.

Os temas mais presentes nos contos são o machismo, o racismo e a violência, seja ela durante a guerra vivida na Nigéria, entre pessoas da mesma família ou em outras famílias, entre conhecidos. Como não se trata de um romance com uma única história, mostrar a riqueza desta obra é uma missão difícil, mas dois contos deste livro são bons exemplos de como o livro é tocante.

A força da narrativa de Chimamanda

Reprodução/Metro UK

No conto que dá nome ao livro, a autora fala diretamente com o leitor, algo que também acontece em “Amanhã é tarde demais”. Todos as outras histórias são narradas na terceira pessoa do singular. A narração do conto  “No Seu Pescoço” consegue atingir o coração daqueles que acompanham tudo o que se passa dentro da cabeça da protagonista Akunna ao ir morar nos EUA e encontrar um homem branco americano que se interessou por ela. O leitor acompanha o processo de adaptação de Akunna ao novo país, a construção da relação entre ela e o homem branco e rico por quem ela se apaixona, como o racismo dele vai se revelando de forma sutil e velada, como as pessoas reagiam (e reagem) ao ver um homem branco com uma mulher negra nos EUA.

No conto “Os casamenteiros”, a protagonista Chinaza narra todas as mudanças que ocorrem em sua vida ao se casar com um nigeriano que era médico nos Estados Unidos. O casamento não foi uma escolha dela, e sim dos seus tios, que cuidavam dela desde que os pais tinham morrido e que consideravam uma “sorte grande” o fato da sobrinha se casar com um homem com este status.

É curioso descobrir que os imigrantes africanos que são personagens das histórias precisavam ter um novo nome ao irem para os Estados Unidos e precisavam também adotar os costumes dos estadunidenses, abandonando automaticamente a maioria dos costumes adquiridos durante a infância e adolescência. Nas atitudes e no discurso de Ofodile (Dave) é nítido que ele não só incorporou o estilo de vida americano como também passou a menosprezar tudo o que vinha do seu país de origem, a Nigéria .

Outro aspecto interessante desta história é a condescendência com a qual Ofodile trata Chinaza, neste caso numa relação entre homem e mulher, mas que também remete à frase dita pela protagonista do conto “No Seu Pescoço” sobre a relação entre brancos e negros: “Você tentou desdenhá-lo [o homem branco que se interessou pela protagonista], e mostrar isso a trazer o pedido dele, pois os brancos que gostavam demais da África e os que gostavam de menos eram iguais – condescendentes.”

Chimamanda não entrega conclusões prontas e mastigadas para quem a lê. Os finais dos contos ficam em aberto, deixando o leitor livre para especular e imaginar o que pode ter acontecido no momento seguinte ao último parágrafo.

“No Seu Pescoço” faz com que tenhamos contato com uma parte da cultura nigeriana , com a visão que eles têm da própria cultura e da cultura norte-americana. É uma ótima recomendação para quem quer fugir da literatura norte-americana/europeia tão disseminada pelo mundo. É uma leitura intrigante e que tira da zona de conforto à qual estamos acostumados, com direito à presença de palavras em igbo (uma das línguas faladas na Nigéria), cujo significado é possível entender através do contexto quando não há a tradução na frase seguinte.

Se a intenção não é mergulhar de cabeça nesta leitura, é melhor não começar, porque Chimamanda vai te abraçar e te envolver com a escrita dela e, quando perceber, já abriu mão de tudo o que precisava fazer para ler todos os contos de uma só vez.

+ sobre o tema

para lembrar

Biéla: minha definição mais bonita do feminismo

(Vó, desculpe a demora em soltar esse texto. É...

Morte de nigeriano agredido na rua na Itália causa revolta e chega a debate eleitoral

O assassinato de um vendedor ambulante nigeriano na última...

Janeth Arcain: ‘Esporte me fez superar preconceito racial e de gênero’

Ex-jogadora de basquete competiu em quatro Olimpíadas, ganhando medalhas...

Grupo francês divulga medidor de violações aos Direitos Humanos no Brasil

O coletivo Coalizão Solidariedade Brasil, sediado na França, divulgou neste...
spot_imgspot_img

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas, como imaginado. A estudante do 3º ano do ensino médio Franciele de Souza Meira, de...

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde mundial feminino da maratona ao vencer a prova em Londres com o tempo de 2h16m16s....

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na história do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a advogada Vera Lúcia Santana Araújo, 64 anos, é...
-+=