Emílio Santiago critica MPB atual: “É tudo muito cool”

Lançando o DVD “Só danço samba”, cantor fala sobre o cenário musical brasileiro, maconha e casamento gay em entrevista ao iG

Por: Valmir Moratelli

Emílio Santiago é daquelas vozes que se reconhece facilmente. De longe. Antes mesmo de surgir na sala de sua ampla cobertura no Flamengo, zona sul do Rio, ele já vem falando. “Estou aqui, cheguei. Desculpe a demora. Vim do mercado, acabei me enrolando com as compras”. Não houve demora alguma. Na hora marcada, lá está ele, a voz marcante da Música Popular Brasileira, para um bate-papo com a reportagem do iG.

Ao falar sobre o perfeito timbre de voz que mantém, aos 65 anos, Emílio critica a pasteurização dos intérpretes da MPB. “Na minha geração, na hora se identificava quem estava cantando no rádio. Agora não é mais assim”, diz ele, que acaba de lançar o DVD “Só danço samba”. Perguntando sobre como surgiu o projeto, ele não titubeia. “Um dono de banco, que é meu fã, me convidou para almoçar e perguntou o que poderia fazer por mim. Eu não estava precisando de nada. Mas ele insistiu e falei para ele me dar o patrocínio de um DVD. Aproveitei para comemorar os 40 anos de carreira, com um disco mais dançante”, conta.

É com igual sinceridade que Emílio exibe resposta para tudo. Tudo mesmo. Sem medo de pisar em polêmicas. Das drogas – “fumar maconha é tão cafona” – à opção sexual – “Ninguém nunca escreveu que ‘Emílio é gay’, nem tive necessidade de abrir mão da minha personalidade”, diz. E, após um breve suspiro, revela, pela primeira vez, o que prometeu a sua mãe adotiva, antes de ela falecer. “Como fui adotado e bem criado, ela achava que eu devia fazer o mesmo com outra criança. É um projeto de vida”, afirma.

iG: O prazer de gravar um DVD substitui o de gravar um CD?

EMÍLIO SANTIAGO: Ah, sim. Fazer DVD é mais fácil. Sou mais do ‘ao vivo’ do palco, do que daquela irritação de estar todo dia em estúdio. Se puder, gravo tudo num dia só. Acho DVD importante na medida em que o mundo inteiro pode te ver em fração de segundos. Basta jogar a imagem na internet.

iG: Você gosta mais de se ver ou de se ouvir?

EMÍLIO SANTIAGO: Nenhum dos dois (risos). Sou muito crítico, me cobro o tempo todo. Agora estou até mais relaxado. Quarenta anos depois, não tenho o que provar mais nada a ninguém. Assim canto melhor. A maturidade tem lá suas vantagens. É prazeroso não sentir o peso de que tem que dar certo o tempo todo.

iG: Em entrevista ao iG, Pedro Bial, ao lançar documentário sobre Jorge Mautner, disse que a “música brasileira vive um momento não muito atrativo”. Concorda?

EMÍLIO SANTIAGO: Concordo. Sou cantor dos anos 1970, vindo de uma bossa nova maravilhosa, entrando numa MPB deslumbrante. Era um momento de plenitude da música. Essa boa fase da MPB veio até o começo dos anos 1990. A renovação é que não aparece. Talvez se os jovens escutassem mais Chico Buarque, João Donato, Carlos Lyra, Djavan, Marcos Vale, teriam mais inspiração. A atual juventude não escuta, não tem conhecimento musical como o que eu tinha na minha época.

iG: Como define este atual momento da MPB?

EMÍLIO SANTIAGO: É tudo muito cool. Na minha geração, na hora se identificava quem estava cantando no rádio. Alcione, Nana Caymmi, Lenny Andrade, Angela Maria eram as vozes (com ênfase). Hoje, não. Todas as cantoras têm o mesmo comportamento. Agora elas (as novas cantoras) seguem o padrão Marisa Monte de cantar, de se vestir. E as baianas seguiram Daniela Mercury.

iG: Você só citou mulheres. As vozes masculinas têm mais personalidade?

EMÍLIO SANTIAGO: Tudo na mesma. O Brasil sempre teve este estigma de ter mais cantoras do que cantores, apesar de ter mais compositores do que compositoras. Só a partir dos anos 80 os compositores começaram a cantar, no meio da questão dos direitos autorais, de ser dono da própria música. Hoje sambista faz show todo dia. Pique Novo, Arlindo Cruz, Exaltassamba, Thiaguinho, Rodriguinho, Fernandinho, ‘queridinho’, são muitos inhos… (risos) Cada um conta sua história com a música.

iG: Fale um pouco da sua infância. Você teve origem humilde, foi adotado…

EMÍLIO SANTIAGO: Sim, mas em certo momento, voltei a morar com meu pai biológico. Morei um período na extinta favela Praia do Pinto, lá em cima da Gávea. Foi interessante, mas não era para mim. Então voltei para a minha mãe adotiva. Dizem que houve um incêndio criminoso para acabar com a comunidade. Uma parte foi morar na favela da Cruzada, no Leblon, e outra foi para a Cidade de Deus, na zona oeste. Não tive necessidade, mas fui criado por pais adotivos.

iG: Ficou algum trauma daquela época?

EMÍLIO SANTIAGO: Trauma? De jeito nenhum. Como poderia ter trauma (abre os braços mostrando seu apartamento)? Minha mãe adotiva me fez ver, desde cedo que, mesmo que meus pais biológicos não pudessem me criar, jamais deveria esquecer que os tinha por perto. O que aconteceu é que meus pais brigaram e não assumiram a paternidade. Então essa minha mãe adotiva me pegou para criar com seis dias de nascido.

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iG: Já sofreu algum tipo de preconceito?

EMÍLIO SANTIAGO: É outra coisa que minha mãe me ensinou. Na medida em que você vai crescendo na vida, todos os preconceitos vão desaparecendo. Preconceito não sobe com você nos degraus da vida. Se subir, você pisa em cima e continua.

iG: Aos 65 anos, não sente falta de deixar um herdeiro biológico?

EMÍLIO SANTIAGO: Não sei. Ainda dá tempo, ué! Isso pode ser feito de outras tantas maneiras. Tem uma coisa que minha mãe pediu e que tem muito a ver com o que você está me perguntando. Minha mãe falou que antes de eu partir, teria que deixar uma coisa bem especifica. É um segredo nosso que nunca revelei.

iG: Sente-se confortável em falar agora?

EMÍLIO SANTIAGO: (Ele fica pensativo, respira fundo) Como fui adotado e bem criado, ela achava que eu devia fazer o mesmo com outra criança. É um projeto de vida. Adotar é muita responsabilidade, e não tenho o tipo de vida para isso. É preciso ter babás, empregada… Passo dez dias fora de casa em shows, com vida em hotéis. Dessa forma, posso me associar a um orfanato e participar da instituição.

iG: Você tem alguém?

EMÍLIO SANTIAGO: Não. Solteiríssimo. Não é nem questão de gostar. Procuro ser uma pessoa feliz todo dia ao acordar. Não me apaixono fácil.

iG: Por que nunca se engajou no movimento gay?

EMÍLIO SANTIAGO: Não quis e nem quero levantar bandeira. Sempre tive minha vida de forma muito natural. Sou totalmente liberto de qualquer preconceito, medo ou receio sobre este aspecto. Nunca me escondi. Sou autêntico com minha vida.

iG: É a favor da união civil entre homossexuais?

EMÍLIO SANTIAGO: Tenho 40 anos de carreira e as pessoas sempre me respeitaram. Ninguém nunca escreveu que ‘Emílio é gay’, nem tive necessidade de abrir mão da minha personalidade. Vivo de maneira natural. Conheço vários famosos que vivem juntos há quinhentos mil anos e não precisam levantar bandeira. As pessoas têm o direito de querer abrir ou não sua vida.

iG: Mas você não respondeu a pergunta.

EMÍLIO SANTIAGO: Sou a favor (do casamento gay), até para preservar os direitos legais do parceiro em uma união. Um casal constrói bens materiais, afetivos e morais. O casamento protege judicialmente tudo isso.

iG: O que pensa sobre a legalização das drogas?

EMÍLIO SANTIAGO: Não posso incentivar esta abertura, porque da maconha se pode partir para algo mais complicado. Sou, sim, a favor de um controle mais rígido, maior do que existe hoje. Nos anos 60 era romântico fumar maconha. Nem naquela época fumei, ainda que muitas pessoas a minha volta fumassem, e ainda fumem. Acho isso tão antigo, cafona. O cheiro é horroroso.

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iG: É um pensamento contrário ao de muitos artistas. Djavan, por exemplo, já declarou ao iG que não só é a favor da legalização, como fuma maconha.

EMÍLIO SANTIAGO: Tudo bem. É o direito de cada um. Se o Djavan fuma maconha para fazer aquelas músicas lindas, como ele sempre fez, que continue fumando maconha pro resto da vida. Agora, se você cheirar um quilo de cocaína para ficar caindo pelos cantos, vai acabar se matando. Você vê Amy Winehouse, Elis Regina, Whitney Houston… é triste.

 

Fonte: iG

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