Entidades de direitos humanos denunciam onda de extermínio em São Paulo

No último dia 17, entidades ligadas ao tema dos direitos humanos enviaram ao ministro da Justiça e procurador-geral da República uma carta em que denunciam a onda de extermínio que atinge predominantemente a população jovem negra que mora nas periferias de São Paulo e a Baixada Santista. Nos últimos meses, o Estado assiste a um aumento do número de homicídios.

O documento é encabeçado pelo Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça e foi ainda firmado por Koinonia Presença Ecumênica e Serviço – ACT Aliança; Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos; Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo; e Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo.

“Não existe pena de morte no Brasil. No entanto, ela vem sendo sistematicamente aplicada pela Polícia Militar de São Paulo e por grupos de extermínio a ela vinculados”, denuncia a carta. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, de janeiro a agosto de 2012, a Polícia Militar matou oficialmente 338 pessoas.

Mas se estima que esse número seja muito maior, pois nesta cifra não estão computados os casos de “resistência seguida de morte”. Além disso, há a suspeita de que muitas mortes foram praticadas por grupos de extermínio formados por policiais.

O documento também traz à tona ameaças dirigidas a quem denuncia os abusos aos direitos humanos, em sua maioria, jornalistas. André Caramante, repórter da Folha de S. Paulo, teve que sair do país junto com sua família após receber ameaças em decorrência da matéria “Ex-chefe da Rota vira político e prega a violência no Facebook” (publicada no dia 14 de julho).

A denúncia de que o coronel reformado da PM e ex-comandante da Rota Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, então candidato a vereador em São Paulo pelo PSDB (hoje eleito com quase 90.000 votos), usava sua página na rede social para veicular confrontos entre a polícia e civis, incitando a violência, provocou ameaças contra o repórter e sua família.

“O saldo das incursões policiais e ocupações de bairros periféricos com imposição de “toque de recolher” e detenções ilegais têm sido a matança de civis inocentes e de supostos ‘suspeitos'”. O comitê faz um apelo contra a crescente militarização do Estado e o consequente aumento do poder e da violência da PM, e ainda pede que o país atenda a recomendação da ONU e promova a extinção das polícias militares.

Leia abaixo a carta na íntegra:

“Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça

Ao Exmo. Sr. José Eduardo Martins Cardozo
Ministro da Justiça
Ao Exmo. Sr. Roberto Monteiro Gurgel Santos
Procurador Geral da República
c/c para a Exma. Sra. Maria do Rosário Nunes
Ministra-Chefe da Secretaria de Direitos Humanos
c/c para o Exma. Sra. Monica Nicida Garcia
Procuradora-Chefe da Procuradoria Regional da República – 3a Região

Basta de horror e extermínio em São Paulo!

Diante da nova escalada de assassinatos cometidos no Estado de São Paulo por policiais militares e por grupos de extermínio supostamente vinculados a integrantes da Polícia Militar, e das ameaças dirigidas a jornalistas que, por dever de ofício, denunciam as violações de direitos humanos que vêm sendo cometidas, o Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça e entidades a ele associadas dirigem-se a Vossas Senhorias para fazer as seguintes considerações:

1. Não existe pena de morte no Brasil. No entanto, ela vem sendo sistematicamente aplicada pela Polícia Militar de São Paulo e por grupos de extermínio a ela vinculados. De janeiro a agosto de 2012 a PM de São Paulo matou 338 pessoas (média de 42 mortes por mês), segundo a própria Secretaria da Segurança Pública. Somente em agosto foram 67 mortes, 80% a mais do que no mesmo período de 2011.

2. Nesses números já alarmantes não estão computados os assassinatos atribuídos a grupos de extermínio compostos, segundo fartos relatos da mídia, por policiais militares, que agem livremente e que são comandados ou tolerados por oficiais PM. Um tenente-coronel da própria PM que investigava os crimes de um desses grupos foi assassinado por um policial militar em 2007. Mais recentemente, os grupos de extermínio voltaram a agir com desenvoltura na Baixada Santista e na Grande São Paulo.

3. O Governo do Estado de São Paulo não consegue conter o crime organizado. Por isso, em resposta às ações de criminosos contra policiais, ao invés de agir mediante ações de inteligência policial para desarticular as quadrilhas e capturar os criminosos, tem estimulado a retaliação violenta da PM às populações de regiões periféricas. O saldo das incursões policiais e ocupações de bairros periféricos com imposição de “toque de recolher” e detenções ilegais tem sido a matança de civis inocentes e de supostos “suspeitos”.

4. Jornalistas que noticiam esses acontecimentos vêm sendo ameaçados. O repórter André Caramante, do jornal Folha de S. Paulo, e sua família tiveram de deixar o país em razão das ameaças recebidas, muitas das quais foram postadas em endereço digital pertencente ao tenente-coronel reformado Paulo Telhada, ex-comandante da ROTA, batalhão da PM responsável por diversas chacinas nos últimos anos. A repórter Lucia Rodrigues, da Rede Brasil Atual, também tem sofrido ameaças.

5. Diante de tal situação, este Comitê propõe que sejam adotadas as providências legais cabíveis, sejam elas as medidas que a Constituição Federal prevê nos seus artigos 109 (V-A; e parágrafo 5º), por grave violação de direitos humanos, e 34 (VII, b), para garantir a observância dos direitos da pessoa humana, ou outras quaisquer recomendadas em lei em defesa do direito à vida.

6. Este Comitê manifesta ainda a sua opinião de que é urgente o atendimento da recomendação da Conferência Nacional de Direitos Humanos (2008), da Conferência Nacional de Segurança Pública (2009) e mais recentemente da Organização das Nações Unidas, de que sejam extintas as Polícias Militares.

Atenciosamente,

São Paulo, 17 de outubro de 2012

Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça
Koinonia Presença Ecumênica e Serviço – ACT Aliança
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos
Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo
Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo”

 

 

Fonte: Carta Maior

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