Modelos femininos em áreas dominadas por homens afetam as escolhas das mulheres? Um estudo realizado em uma universidade americana procurou fornecer suporte empírico para tal questão. Para isso, foi realizado um experimento com o intuito de aumentar a quantidade de mulheres graduadas em economia, campo de estudo que, historicamente, possui um alto desequilíbrio racial e de gênero (Gender diferences in the choice of major: the importance off emale role models, 2020).
Por meio dele, Catherine Porter e Danila Serra descobriram que a exposição nas aulas de Princípios de Economia a mulheres bem-sucedidas, e que se formaram em economia na mesma universidade, teve um impacto significativo sobre a matrícula de alunas em outras disciplinas desse campo de estudo.
As pesquisadoras também encontraram que tal intervenção pode ter tido desdobramentos positivos vitalícios no fluxo de renda das mulheres. Isso porque, na ausência do contato com referências femininas no curso, elas teriam se formado em áreas que possuiriam baixa remuneração no mercado de trabalho.
Nas últimas décadas, a literatura acadêmica tem apresentado diversas evidências relacionadas ao poder da influência externa sobre nossas decisões. No caso dos pobres, por exemplo, não raramente eles fazem escolhas que afetam negativamente seus retornos futuros. Parte dessas escolhas tendem a estar associadas a baixas aspirações e à ausência de informação sobre trajetórias alternativas àquelas em que eles estão inseridos.
Um outro experimento, agora realizado na zona rural da Etiópia, traz resultados nesse sentido. Nele, um conjunto de pesquisadores convidou um grupo de pessoas para assistir a documentários de trabalhadores que viveram em comunidades semelhantes e que tiveram sucesso na agricultura ou nos negócios por conta própria, ou seja, sem ajuda do governo e de ONGs (The future in mind: aspirations and forward-looking behaviour in rural Ethiopia, 2014).
Como resultado, aqueles que assistiram aos vídeos tiveram uma mudança significativa em relação às suas aspirações e comportamentos. O estudo encontrou efeitos positivos sobre a poupança, uso de crédito, matrícula escolar e gastos com educação infantil.
A grande mídia também tem seu poder de influência tanto para manutenção quanto para a quebra de padrões arraigados no imaginário coletivo. Em um estudo de 2001, Eduardo Rios-Neto argumentou que a televisão teve um importante papel na queda da taxa de fecundidade brasileira. A explicação é simples. Nas novelas, as famílias eram pequenas. Ao assisti-las, muitas pessoas de origens desfavorecidas começaram a replicar aquele padrão (Television, value constructs, and reproductive behavior in Brazilian excluded communities, 2001)
Eliana La Ferrara e coautoras pegaram dados da expansão do sinal da Rede Globo e mostraram empiricamente que, de fato, a TV teve um efeito na diminuição dos nascimentos no Brasil. No mesmo estudo, elas também mostraram que a TV tem uma alta influência na escolha dos nomes dos filhos (Soap operas and fertility: evidence from Brazil, 2012).
Em um país que negligencia a saúde reprodutiva das mulheres e, em especial, a das mais pobres, o efeito da televisão na redução da quantidade de filhos pode ter tido mais impacto positivo na vida dessas pessoas do que diversas políticas públicas que o governo brasileiro produz.
Esses experimentos e estudos têm implicações importantes. Existe um componente cultural na reprodução das desigualdades que tende a ser subestimado. Parcela das disparidades entre os distintos grupos populacionais pode ser resolvida por meio de intervenções que afetem as escolhas. Escolhas essas muitas vezes desiguais. Escolhas que levam a desigualdade e são retroalimentadas por ela.
Este texto é uma homenagem à música “Cine Subaé”, de Roberto Mendes.