Escritora que teve livro rejeitado pelo Sesi fará mutirão contra intolerância

A obra já foi premiada e traz ilustrações de figuras negras e narra contos de orixás e mitos africanos, através de tradição ketu (maior nação do candomblé), embora não tenha conotação religiosa

Por Francisco Edson Alves Do O Dia

‘Omo-Oba’, obra premiada da escritora Kiusam de Oliveira, narra contos de orixás e mitos africanos Foto: YoungClover.com

A escritora e ativista do movimento negro Kiusam de Oliveira, comandará uma cruzada nacional para fiscalizar o cumprimento de leis e diretrizes do Ministério da Educação e Cultura (MEC), que determinam em todo currículo escolar, público e privado, aplicação de conteúdos transversais da história da África, dos afro-brasileiros e povos indígenas. Semana passada, ela teve seu livro ‘Omo-Oba – Histórias de Princesas’ rejeitado pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) de Volta Redonda, no Sul Fluminense, a pedido de um grupo de pais. A obra, escolhida pela equipe pedagógica do Sesi no dia 8, para turmas infantis, até julho, chegou a ser suspensa na quinta-feira pela instituição, que voltou atrás da decisão ontem.

Outros pais, que já haviam adquirido o livro, atribuíram a rejeição nas redes sociais à supostas intolerância religiosa e racismo. A obra já foi premiada e traz ilustrações de figuras negras e narra contos de orixás e mitos africanos, através de tradição ketu (maior nação do candomblé), embora não tenha conotação religiosa.

Em nota, a Federação das Indústrias do Rio (Firjan) admitiu que o Sesi-VR “errou ao anunciar que iria escolher outro livro no lugar de Omo-Oba”, e garantiu que o título será mantido. A instituição afirma ainda que a equipe pedagógica da unidade passará por reciclagem.

Indignada, Kiusam, que é doutora em Educação e mestra em Psicologia pela USP, além de bailarina, coreógrafa e professora de danças afros, ressaltou que sua obra visa aumentar a autoestima infantil e, justamente, combater preconceitos. Ela não poupou críticas ao que chamou de “golpe branco, que pauta o extermínio da população negra”, especialmente mulheres. “O que nos cabe? Juntas combater o fascismo, a opressão, a ditadura de forma visceral”, desabafou, adiantando que o episódio será estopim para a fiscalização nacional das leis 10.639/03 e 11.645/08.

A antropóloga e pesquisadora de religiões de matrizes africanas do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos da UFF, Rosiane Rodrigues, lamentou o ocorrido. “Seria uma imbecilidade atroz perder a oportunidade de conhecer a obra de Kiusam. Não é só ignorância ou fanatismo religioso que levam pessoas a boicotar livros. Há uma necessidade de imposição de ideias totalizantes e totalitárias sobre a realidade. O fascismo se consolida na banalização do mal”, advertiu.

Sesi admite o ‘equívoco’

Em nota, a Firjan adiantou que promoverá encontros sobre diversidade e multiculturalismo. “A instituição vem a público reconhecer o equívoco e informar que não mais será adotado um livro adicional. Além de cumprir leis, o Sesi Rio está empenhado e comprometido com a questão da diversidade cultural”.

+ sobre o tema

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...

para lembrar

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...
spot_imgspot_img

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro no pé. Ou melhor: é uma carga redobrada de combustível para fazer a máquina do racismo funcionar....

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a categoria racial coloured, mestiços que não eram nem brancos nem negros. Na prática, não tinham...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira (27) habeas corpus ao policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, réu por assassinato de Guilherme Dias...