Essa mulher negra desarmada foi morta pela polícia. Por que não marchamos por ela?

Texto de Darnell L. Moore. Publicado originalmente com o título: ‘This Unarmed Black Woman Was Shot by the Police, So Why Aren’t We Marching for Her?’ no site Identities.Mic em 21/04/2015. Tradução de Liliane Gusmão para as Blogueiras Feministas.

Do Blogueira Feministas 

Em 21 de março de 2012, Rekia Boyd, 22 anos, foi alvo de um tiro na parte de trás de sua cabeça e morreu.

O detetive da polícia de Chicago, Dante Servin, estava de folga quando perto da 1 hora da madrugada ele se aproximou com seu carro de um grupo de pessoas, Boyd era uma delas. Após um dos indivíduos presentes, Anthony Cross, 39 anos, ir de encontro a Servin segurando algo que o policial pensou ser uma arma, Servin começou a atirar e atingiu Boyd na cabeça. Ela morreu no dia22 de março e Servin foi posteriormente acusado por quatro homícidios culposos, descarga imprudente de uma arma e conduta imprudente.

Em 20 de abril de 2015, o Juiz Denis Porter do Condado de Cook retirou todas as acusações. Servin saiu da corte, cercado por sua família e amigos oficiais, um homem livre.

Nos Estados Unidos, as mortes de pessoas negras desarmadas por disparos de armas de fogo, de políciais ou seguranças, tornaram-se assustadoramente comuns. A fórmula para o desastre geralmente tende a envolver um policial ou pessoa branca, que supostamente temendo por sua vida, atira fatalmente contra uma pessoa negra. Quando o assassino é absolvido no tribunal, as pessoas se revoltam e marcham. Esses protestos tomaram todo o país em resposta aos tiros que mataram Trayvon Martin, Jordan Davis, Michel Brown e Eric Garner. Todos homens negros desarmados e muitas pessoas hoje reconhecem seus nomes.

Porém, a maioria das pessoas não conhece o nome de Rekia Boyd. Nem sabem os nomes deShantel Davis (morta aos 23 anos), Aiyana Stanley-Jones (morta aos 7 anos) e Kendra Jones (morta aos 21 anos). Quando homens negros são mortos, slogans como “Mãos ao alto, não atire!” ou “Não posso respirar” ecoam por todo país. Quando meninas e mulheres negras, como Boyd, são mortas, há um grande um silêncio.

“Como mulher negra, esses momentos me fazem lembrar que vivo numa sociedade e trabalho num movimento que insiste em priorizar as vidas de homens negros sobre as das mulheres”, disse Nashika Lewis, estrategista e organizadora do Black Lives Matter de Nova York. “Há uma dor particularmente angustiante quando a vítima é uma mulher negra, porque suas mortes passam desapercebidas do público geral. E não haverá nem protestos ou vigílias em suas memórias”.

De acordo com o Huffington Post, “dados iniciais apontam que as mulheres negras são quase 20% das vítimas desarmadas mortas por policiais nos últimos 15 anos”. E, ainda assim, nós “não agimos e alguns de nós nem ao menos sabem quem é Rekia Boyd, porque a vida e morte de mulheres negras não nos comove da mesma maneira que as dos meninos e homens negros”, disse Aimee Meredith Cox, professora da Universidade Fordhan e autora do livro Shapeshifters: Black Girls and the Choreography of Citizenship (Mutantes: Meninas Negras e a Cidadania Coreografada, sem título em português).

Uma razão que explica isso é o fato de meninos e homens negros ainda serem vistos como mais expostos ao risco que meninas e mulheres negras, apesar de várias evidências contrárias, é o que o pesquisador Paul D. Butler chama de “excepcionalismo negro masculino”. Butler define isso como a ideia que “homens negros são os que tem menos oportunidades diante de qualquer outro grupo de pessoas nos Estados Unidos”, incluindo as mulheres negras. Entretanto, sua pesquisa sugere que o racismo afeta os gêneros de maneiras diferentes — homens negros são mais encarcerados, enquanto mulheres e meninas negras sentem mais profundamente os efeitos da pobreza — o fato é que ambos correm riscos diante do excesso de criminalização e práticas policiais fatais.

No entanto, a justiça racial tem sido idealizada como a libertação específica de homens negros (heterossexuais), idealização difundida desde o Movimento por Direitos Civis nos anos 50 e 60 até oBlack Lives Matter hoje, apesar da presença de mulheres na liderança desses movimentos.

As divisões internas impulsionadas por gênero dentro do Movimento dos Direitos Civis, por exemplo, eram sem dúvida tão generalizadas quanto a pressão externa contra a supremacia racial branca. “Na América branca dos anos 60 — racistas e liberais, igualmente — estavam mais do que satisfeitos em recostar-se e serem meros espectadores enquanto… as mulheres negras escutavam que o único lugar útil para elas no movimento pelos direitos civis era serví-los”, relembrou Audre Lord, poeta, ensaísta e ativista em seu ensaio “Lessons from the ‘60s” (Lições dos anos 60).

Seja na frágil iniciativa de justiça racial da Casa Branca, estrategicamente chamada de “My Brother’s Keeper” (Protetor Do Meu Irmão) ou nos protestos organizados predominantemente em resposta à violência contra meninos e homens negros, a incapacidade de se avançar nas questões das mulheres negras, a partir da periferia para o centro nos movimentos de justiça, continua a ser um problema.

“Nós extendemos o círculo de nossa comunidade para incluir homens negros que tenham sido vítimas de violencia do Estado — tudo em nome da solidariedade racial — mas dificilmente faremos o mesmo quando as vítimas são mulheres negras, que não sejam nossas parentes”, diz Mark Anthony Neal, professor da Universidade de Duke e autor de New Black Man (Novo Homem Negro).“Se estou sendo honesto, é só porque sou pai de duas meninas e esse é o motivo de ter uma perspectiva honesta do que é a realidade das mulheres negras na sociedade dos Estados Unidos”.

Como mudar essa situação? Primeiro, precisamos reconhecer que as mulheres negras não são imunes à violência, nem a dor. Trinta e seis anos atrás, Michelle Wallace, feminista negra e crítica cultural, analisou “a intrincada teia mitológica que cerca as mulheres negras” em seu livro Black Macho and the Myth fo Superwoman (O Macho Negro e o Mito da Super-Mulher, sem tradução em português) e escreveu, “[Uma] imagem fundamental emerge. É de uma mulher com força extraordinária… Essa mulher não tem os mesmos medos, fraquezas e inseguranças das outras… Em outras palavras ela é uma super-mulher”.

Boyd não era uma super-mulher. Ela era uma mulher negra que vivia e respirava, um ser humano, morta por nenhum outro motivo além de parecer suspeita. Agora, as ações de de Servin foi justificadas pela corte de justiça como atos intencionais, ao invés de conduta imprudente. Chicago estabeleceu formalmente o pagamento de $4,5 milhões de dólares pelo processo civil de homicídio culposo, como indenização do estado a Rekia Boyd, mas dinheiro nenhum pode minimizar o sofrimento causado pela morte de uma pessoa querida. Organizações como Black Youth Project e A Long Walk Home, sediadas em Chicago, juntaram-se a outros grupos pelo país e a parentes de Rekia Boyd em protesto contra essa morte e exigem a exoneração de Servin, mas ações locais precisam ser apoiadas também por ações nacionais.

Rekia Boyd, assim como Trayvon Martin, Michel Brown e Eric Garner, merece nossa atenção, porque o valor das vidas de meninas e mulheres negras não deve ser motivo de debate. Não podemos mais permitir que as mulheres negras sofram múltiplas mortes — seja pelo resultado da bala na arma de um policial, mas também pelo público esquecimento de seus nomes. Invisibilidade é uma forma violência. Então, quando marcharmos, devemos levantar o nome de Rekia Boyd, e os nomes de todas as mulheres negras que perdemos.

Autor

Darnell L. Moore é editor do site Mic.com. Twitter: @moore_darnell.

Nota da Tradutora

Ao traduzir esse texto de Darnell, sobre a invisibilização das mulheres negras que são mortas por policiais nos Estados Unidos, tive dificuldades de achar textos escritos por mulheres negras. A maioria dos textos que falam desse problema, ou da violência contra as mulheres negras, foram escritos por mulheres brancas ou por homens negros. E isso também é um indicativo de como mulheres negras não tem voz dentro da sociedade americana, o que acaba também sendo um reflexo da nossa sociedade como um todo.

 

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