Cornel West escolheu estas falas de Valery e Fanon como epigrafe de uma de suas palestras (as que estão na imagem). Qualquer estudante de ensino médio pode ter uma boa ideia sobre o que seria seu discurso a partir da leitura dos fragmentos: uma crítica ao eurocentrismo do discurso de Valery, acompanhada do desvelamento da exploração e silenciamento dos povos periféricos oprimidos. Pois bem, não é isso que o autor faz.
Por Marcos Carvalho Lopes Do Filosofia Pop
Primeiramente ele chama atenção para a força retórica do trecho dos dois autores, ponderando que seu poder advém justamente do exagero dramático que toma meias-verdades como Verdades absolutas. Ora, tanto o discurso de Valéry quanto o discurso de Fanon se sustentam na descrição de uma Europa monolítica, coesa e unificada: se o poeta francês argumenta que este consenso fornece um sentido positivo e civilizador; o filósofo negro da Martinica caminha na direção contrária, sublinhando a opressão e exploração que sustentaram a hegemonia europeia. É preciso destacar que essa Europa convergente é uma construção problemática, que tem uma história que precisa ser avaliada.
Cornel West procura desenvolver narrativas históricas em que o conceito de império tem um lugar central, nesse sentido fala de um “era da Europa” que começa em 1492 e termina em 1945. Destaca que o termo Europa, foi usado como adjetivo pela primeira vez em 1458, feito “pelo papa Pio II, cinco anos após a toma de Constantinopla pelos turcos”. O período de hegemonia europeia trouxe um legado ambíguo, no qual é preciso reconhecer aspectos positivos, como (1) a institucionalização da crítica de todas as formas de autoridade ilegítima, destacando a historicidade e contingência do processo de autocriação tanto do indivíduo quanto da sociedade; e (2) a promessa do experimento democrático, de que a normatização da sociedade deveria se dar a partir de um processo de decisão feito com a participação dos indivíduos em sua singularidade. Essas duas “conquistas” não devem ser idealizadas, já que são dependentes de condições imperiais – como escreveu Fanon –, e não podem ser desvinculadas de seu legado de opressão e morte, como os estranhos frutos cantados por Billy Holliday são parte do terrorismo institucionalizado. Para Cornel West deveríamos reconhecer essas contribuições e buscar radicalizar seu alcance.
Isso significa questionar a pretensão e prejuízos provocados pelo universalismo convergente da Europa sem cair no relativismo frívolo do multiculturalismo. Neste ponto se articula a dimensão profética do pensamento pragmatista de Cornel West, na necessidade de uma posição reformista que não caia nas guerras reducionistas em que as alternativas excludentes normalizam e normatizam divisões que repõe perspectivas essencialistas sobre identidade e cultura, que reproduzem o perigoso e excludente anseio de convergência da modernidade europeia. Precisamos desinflacionar nossas pretensões de verdade, tomando este termo em sentido provisório e conversacional. O que nos permite problematizar a conversação sobre conhecimento e poder, sabendo de sua correlação, mas sem reduzir um ao outro. Radicalizando a esperança no diálogo e na solidariedade, não precisamos abrir mão da busca por universalidade e objetividade, mas repensar estes termos de forma não essencialista. Isso significa que as pretensões do cosmopolitismo em seu desenho iluminista, precisam dar espaço para perspectivas muito mais imanentes, que apostem na conexão humana em termos de comunidade.
A questão não pode ser reduzida por exemplo a exclusão da tradição de pensamento europeu em favor de cânones “autênticos” ligados a grupos de identidade específicos e fechados. Esta segunda opção, institucionalizaria uma paradoxal “tradição exótica” que ofereceria a apaziguadora sensação de entrar em contato com um outro autêntico e mais humano, mais próximo da realidade “essencial”. Novamente, a sedução do reducionismo supera a dificuldade do diálogo. Mas qual seria então o caminho? Nesse terreno, as respostas só podem ser provisórias, mas para
Cornel West a direção parece ser a de pensar o conflito entre concepções de cidadania cultural, que repõe a questão sobre “como ler criticamente qualquer tipo de texto colocado diante de você, canônico ou não-canônico, em nível retórico e em nível político, em termos da maneira pela qual certos tipos de sentimentos políticos são disparados através desses decretos retóricos, e em termos das condições particulares sob as quais esses textos foram produzidos, distribuídos e recebidos”. Coloquei inicialmente as epígrafes de Valery e Fanon como imagens no facebook: quais são as condições de leitura neste espaço? Como podemos recontextualizar nosso modo de interpretação para levar em conta perspectivas não reducionistas de “cidadania cultural”, promovendo “sentimentos democráticos” que não abram mão da “orientação crítica”?