Exposição fotográfica feita por mulheres no Recife questiona o racismo e o sexismo

Três fotógrafas integrantes de formação promovida pela FASE em Pernambuco registraram o protagonismo de mulheres negras em manifestações culturais nordestinas

Por Nathália Pereira, do Fase

(Foto: Fran Silva/Exp. M.a.r.i.a.s)

Da cultura popular nasce e reverbera a força de um povo. Para mulheres negras, as brincadeiras herdadas dos ancestrais podem ser munição de resistência trilhada diariamente contra discriminações e embargos sociais. Ser veículo para tal fortalecimento é o objetivo de “Mulheres Negras Fortalecidas na Luta Contra o Racismo e o Sexismo”, iniciativa desenvolvida pelo programa da FASE em Pernambuco, em parceria com a Oxfam Brasil e demais instituições, com apoio da Embaixada Britânica. Nele, 25 jovens negras integrantes de coletivos socioculturais do Recife têm desenvolvido oficinas e atividades autogestionadas com foco em produções culturais.

Uma dessas atividades atravessa os muros da sede da FASE, ocupando, a partir do dia 3 de fevereiro, a Estação Central do Metrô do Recife (Rua Floriano, S/N, São José). A exposição fotográfica M.A.R.I.A. – Mulheres nas Artes Representando as Identidades Afro–Brasileiras exibirá 40 fotografias que registram o protagonismo de mulheres negras nordestinas dentro dos segmentos culturais populares dos quais fazem parte – da dança à culinária, passando pela música, religião, pintura e poesia. O intuito, além de gerar visibilidade, é quebrar os estereótipos relacionados às mulheres afrodescendentes.

As fotos escolhidas para a mostra, que é gratuita, foram extraídas de mais de 200 imagens inéditas feitas, na maioria, ao longo de dezembro de 2016 por Carol Lopes, Fran Silva e Jéssica Vanessa. “As fotos priorizam os trabalhos de poetisas, musicistas, coquistas, mulheres do afoxé, gastrônomas, artesãs e grafiteiras. A arte feita por elas compõe uma esfera complexa, ampla, e a maioria geralmente está na periferia. Então, pusemos foco nas manifestações comuns na arte popular”, destaca Rebecca França, historiadora, produtora cultural e curadora da mostra. Expostas sobre madeira, as imagens estarão encadeadas de acordo com a linguagem artística da mulher fotografada. “A produção foi livre, meu cuidado principal foi de unir fotos de cores quentes e imagens estáticas”, detalha Rebecca.

(Foto: Jéssica Vanessa/Exp. M.a.r.i.a.s)

Muitas das imagens mesclam o olhar externo da fotógrafa com suas experiências como agente cultural, caso de Carol Lopes, também musicista e artista plástica, que fotografou como braço de uma pesquisa iniciada em 2013 sobre brincadeiras populares da região do Recôncavo Baiano. Transitando pelo Nordeste, ela registrou, entre outras expressões, a Irmandade da Boa Morte e a festa de Bembé do Mercado, nas cidades baianas de Cachoeira e Santo Amaro, respectivamente, além de Dona Teté do Cacuriá, cantora e compositora maranhense.

“Fotografar faz com que a gente interaja, brinque, fale, troque energia com as pessoas. Eu não tiro fotos aleatórias, há muito respeito, porque cada local tem uma energia demandada muito interessante. O Bembé, por exemplo, é um terreiro montado no meio de uma feira de frutas para comemorar a liberdade do povo negro. Um dos pais de santo comentou que ele é um terreiro de Candomblé na essência porque está no meio do povo, das ervas”, observa Carol.

“Todas nós temos experiências que formam uma rede de mulheres. Eu trabalho com cultura desde muito jovem e nunca registrava meus trabalhos em fotos. Quando quis aprofundar essa pesquisa foi que precisei sair da brincadeira para poder registrá-la. Comecei essa viagem fotográfica sobre dar voz e beleza aos brinquedos populares porque ainda há muita carência do assunto na mídia, falta compreensão geral sobre o significado. A exposição, então, pode abrir a curiosidade das pessoas de ir às manifestações”, afirma.

(Foto: Fran Silva/Exp. M.a.r.i.a.s)

Trabalhando capacitações ligadas à informática, edição e gravação, o primeiro ano de atividades do “Mulheres Negras Fortalecidas na Luta Contra o Racismo e o Sexismo” será concluído em março, com a realização de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Pernambuco. “Vamos denunciar as condições nas quais vivem as pernambucanas negras e periféricas, estamos fechando os detalhes”, conta Rosimere Nery, coordenadora da FASE em Pernambuco. “Em abril damos início ao segundo ano da iniciativa, nosso trabalho é continuado”, encerra.

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